Um mercado com 2 pesos e 2 medidas
Embora o mercado livre de energia elétrica no Brasil já tenha mais de 20 anos, infelizmente não conseguiu ainda constituir um ambiente maduro, transparente e 100% seguro. Ainda vai passar um pouco de água sob a ponte, até que todos os agentes envolvidos tenham total segurança em relação às operações, pois existem brechas legais que podem ser utilizadas para causar prejuízos ao mercado e aos agentes.
E isso acontece não apenas por equívocos dos agentes. As autoridades institucionais têm uma larga parcela de culpa, por omissão ou falta de vontade política para corrigir situações que acabam comprometendo o desenvolvimento do mercado. Essas autoridades conhecem todas as manhas do mercado, mas evitam tocar em determinadas questões. É uma espécie de pecado por omissão.
A situação é muito curiosa e merece uma reflexão. Há anos, algumas distribuidoras pintam e bordam em termos de ineficiência, praticamente vão à falência, não pagam suas dívidas e no entanto a punição que recebem é uma espécie de prêmio: acabam sendo absorvidas pelo controle do Estado sob o argumento que o consumidor não pode ficar sem energia elétrica em casa por causa dos desmandos das distribuidoras.
Ninguém é punido e depois essas empresas passam ao controle novamente da iniciativa privada, devidamente saneadas, ou seja, após farta injeção do seu e do meu dinheiro, através do Tesouro Nacional. Aconteceu recentemente com diversas distribuidoras trambiqueiras que eram protegidas pelo Estado via Eletrobras.
No caso das geradoras, algumas simplesmente se recusam a pagar os seus compromissos de risco hidrológico. Contratam advogados caríssimos, ganham as suas liminares e tocam a vida na flauta, como se não tivessem qualquer tipo de responsabilidade.
Mas se por acaso existir uma comercializadora que pisou na bola e por alguma razão na pagou os seus compromissos, aí as autoridades falam grosso, baixam a borduna e colocam o nome da empresa numa espécie de Index medieval. É uma luta desigual e absolutamente injusta, pois alguns se tornam mais protegidos do que outros.
Um empresário que já foi um comercializador bastante atuante luta há anos para tentar limpar o seu nome na praça e a única solidariedade que recebe é a extraordinária insensibilidade dos que mandam na Aneel e na CCEE. São dois pesos e duas medidas, pois essas mesmas autoridades tratam geradores e distribuidores com tapete vermelho, água mineral com gás e bolo de chocolate.
Mas, também, é preciso reconhecer que existem aqueles que são deliberadamente picaretas e se aproveitam de falhas da regulação para dar o golpe. Nos últimos dias, por exemplo, os próprios comercializadores de energia elétrica que tiveram problemas recentes de inadimplência no pagamento por contratos ou na entrega de energia em liquidações no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) identificaram que há alguns espertalhões que estão tentando driblar as autoridades do setor para continuar operando.
Recentemente, descobriu-se que uma comercializadora tentava obter um novo registro para operar apenas alterando ligeiramente o seu nome.
Além disso, um outro movimento que chama atenção do mercado é o de um cidadão que representava um grande fundo de um conglomerado de energia elétrica que naufragou no bojo de investigações anti-corrupção. Esse cidadão visita empresas e argumenta que está tudo bem, embora a dívida de sua responsabilidade seja próxima de R$ 200 milhões. Tudo bem, uma ova.
Este site, desde o primeiro dia de sua existência, apóia fortemente o mercado livre de energia elétrica e os agentes que nele operam. Mas é fundamental que as normas sejam isonômicas, que todos tenham o mesmo tratamento e que uns não sejam discriminados apenas porque não fazem parte da trilogia que constituiu o velho setor elétrico, formada pelos segmentos de geração, distribuição e transmissão.
Além do mais, as autoridades precisam ficar de olho nos espertalhões. O ML está aparentemente pronto para crescer além dos 30% nos quais ficou encapsulado durante 20 anos. Tem amplas condições para se expandir e beneficiar muitos consumidores que hoje continuam amarrados ao mercado cativo. Mas as áreas de inteligência da Aneel e da CCEE precisam ser mais ousadas e mais resistentes às pressões políticas. A transparência do mercado agradece.