Cemig na contramão da História
Como se estivesse nadando numa piscina de ouro e como se vivesse ainda o período em que conseguia entregar, sem problemas, energia aos consumidores que dela necessitam na sua área de concessão de distribuição, a Cemig decidiu participar de um mirabolante projeto de construção de parques solares fotovoltaicos em vários municípios mineiros.
É um projeto grandioso sob todos os ângulos que seja analisado, consistindo numa joint venture para criação de uma empresa de geração distribuída, com investimentos previstos da ordem de R$ 337 milhões, destinados à construção, em poucos meses, de 32 usinas solares fotovoltaicas em 17 municípios. É um projeto que se chama “Cemig S!M”.
Quando se olha apenas para a questão da geração em si, até que não tem nada demais. No entanto, existem outras situações, que este site pretende resumir neste pequeno espaço da “Opinião do Editor”, pois está mais do que claro que, ao invadir áreas que são razoavelmente tocadas pela iniciativa privada, a Cemig ultrapassa os seus limites. Vai além de suas funções e faz prevalecer todo o seu poderio econômico, contrariando em larga escala as regras da concorrência. A Cemig, sim, com esse projeto, pratica uma concorrência desleal.
Ninguém pode negar que o projeto da “Cemig S!M”, que nasceu de uma fusão de duas subsidiárias do Grupo Cemig (Cemig GD e Efficientia) se beneficia da adesão de consumidores da área de distribuição da Cemig D ao sistema de compensação de energia elétrica. Mais claramente: o Grupo Cemig pretende utilizar informações privilegiadas e estratégicas dos seus consumidores, na área de distribuição, como mecanismo de atração para que se tornem clientes da área de geração distribuída. Ei, Aneel. Ei, Cade: alguém aí falou em isonomia de condições e concorrência com os demais agentes?
A viabilização da empresa de GD “Cemig S!M”, nos moldes pretendidos pelo Grupo Cemig, representa, sim, um enorme risco de monopólio, dentro do Estado de Minas Gerais, através do qual a distribuidora atua favorecendo a empresa de GD do mesmo grupo econômico, excluindo qualquer possibilidade de concorrência com outros agentes de mercado. Só não vê quem não quer.
Além disso, existem outras questões para as quais a Aneel, em particular, deveria ficar mais atenta. A participação da Efficientia e de eventual verba do Programa de Eficiência Energética, um recurso inacessível para outros agentes, por si só possibilita oferecer descontos nada competitivos e assumir maiores riscos que os demais.
Também existe outra situação que é inegável. O nome da pessoa jurídica “Cemig”, junto ao seu grande público consumidor, ainda é visto com as glórias do passado, quando a empresa mineira era uma das jóias do sistema elétrico brasileiro, verdadeiro modelo de eficiência e inovação.
Nesse contexto, ninguém pode negar que ainda existe essa credibilidade, que naturalmente acaba se transformando numa ferramenta a favor quando a Cemig se lança num negócio em que já se encontram vários empreendedores de porte infinitamente menor. É lógico que o objetivo da Cemig é passar por cima, como uma motoniveladora, bem ao estilo dos monopolistas mais truculentos deste País.
Este site não tem nada contra a Cemig e nem poderia ter. Entretanto, não pode ficar indiferente exatamente no momento em que o País, em termos federais, busca um novo enquadramento para as suas estatais, repassando os respectivos controles à propriedade privada.
O contribuinte brasileiro já não suporta mais sustentar as suas estatais, com todas as mazelas que foram capazes de fazer ao longo de suas respectivas histórias. No setor elétrico, por causa dessa tolerância às estatais, hoje os consumidores penam para pagar tarifas elevadísssimas, embora o País seja pródigo em todos os tipos de geração elétrica.
Da mesma forma como chegou a hora de dar o basta às estatais federais, também já está na hora de dizer não às estatais controladas por governos estaduais. O Estado de Minas Gerais não pode ficar alheio a esse movimento. Certamente, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, deve estar acompanhando mais de perto essa aventura da Cemig, em um momento que o discurso deveria ser outro. Em vez de ampliar a empresa, deveria existir um esforço, em Minas Gerais, para transferir o seu controle à iniciativa privada.
Além do governo estadual, quem precisa ficar atento aos movimentos da Cemig é a própria Aneel. Não adianta ficar fazendo discurso bonito para lá e para cá, em defesa dos consumidores, e, ao mesmo tempo, deixar uma concessionária cheia de problemas, como a Cemig, deitar e rolar, aplicando recursos em áreas que claramente não são constituem a sua prioridade.
Todos precisam entender que o momento de estatais como a Cemig já passou. Praticamente, quase todos os estados já se desvencilharam das suas pesadas e ineficientes máquinas do setor elétrico. Só em alguns estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná ainda existem empresas estatais estaduais de energia elétrica. A privatização da Eletrobras está a caminho e já está passando da hora de esses estados se enquadrarem aos novos tempos.
Minas Gerais e a Cemig não podem ficar na contramão da História.