O Amapá e o salto alto
Depois de 22 dias de apagão quase que total, o Governo Federal anuncia que finalmente a energia elétrica foi restabelecida na totalidade no estado do Amapá. Menos mal. Já estava passando da hora.
Não muito rapidamente, até porque esse tipo de coisa não se faz em um piscar de olhos e demanda algum tempo. O Governo colocou lá uma térmica emergencial a óleo. Daquelas mesmas que foram largamente utilizadas em várias partes do País durante o racionamento no Governo FHC.
Ausente do problema “Amapá” durante as três semanas de apagão, o presidente Jair Bolsonaro apareceu lá em Macapá para apertar um botão, dar um sorriso e tirar uma casquinha, pois político gosta de entrar só na boa. Faz parte. Os outros agem igual a Bolsonaro.
É logicamente uma solução paliativa, até a tomada de uma decisão definitiva, pois as térmicas emergenciais custam caro e serão pagas pelo conjunto dos consumidores de todo o país.
De qualquer modo, o caso do Amapá encerra diversos ensinamentos e seria muito interessante se as autoridades do setor elétrico, a partir de agora, deixassem o oba-oba de lado e se debruçassem sobre os problemas que levaram um estado inteiro a ficar sem energia durante três semanas, com todo o tipo de constrangimentos gerados à população local, inclusive pesados prejuízos financeiros.
Tem muito salto alto para ser largado em um canto qualquer depois do episódio do Amapá. Para começar, o apagão evidenciou que nem tudo está uma maravilha no setor elétrico brasileiro e que os políticos podem ter outros sustos pela frente. É preciso olhar para outros estados e verificar onde existem gargalos de transmissão e distribuição, principalmente as condições operativas de algumas subestações. Algumas conversas reservadas que circulam em Brasília já alertam que há estados em situação análoga ao Amapá, inclusive em Roraima e Paraná.
Então, a Aneel, o ONS e o MME precisam arregaçar as mangas e enfrentar os problemas com mais rigor, em vez de deixar a responsabilidade para os integrantes do Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CMSE), que, aliás, são eles mesmos, mas com um nome mais pomposo, coletivo, onde se dilui a responsabilidade de cada órgão.
Os burocratas e os políticos de Brasília não estão aparentemente muito preocupados com um probleminha no sistema elétrico do Amapá e Roraima. O próprio presidente Bolsonaro só pisou em Macapá depois que a questão emergencial tinha sido resolvida. E ficou pouquíssimo tempo na capital do Amapá, provavelmente menos do que levou no vôo Brasília-Macapá-Brasília.
Ele foi lá apenas para deixar a digital em um gerador a óleo e tirar uma foto meio esquisita em um carro oficial em movimento, com um segurança montado na traseira presidencial, para dar eventual proteção. É uma imagem que provavelmente viralizou na internet, mas, vindo de Bolsonaro, tudo é possível.
Voltando à energia elétrica. É preciso, sim, reexaminar a forma como a Aneel e o ONS estão se entendendo (ou se desentendendo). O fato é que a conversa entre ambos não está fluindo bem e os consumidores estão pagando o preço (alto) dessa dificuldade de diálogo. Matéria do jornal “Valor Econômico” mostrou que os problemas do Amapá já eram conhecidos há dois anos e ninguém tomou providências.
Se de fato há algum problema de transmissão no Paraná, as autoridades do setor elétrico precisam agir rapidamente. Afinal, o Paraná é um dos motores da economia brasileira. Há que se lembrar que a nossa economia faz água há muito tempo e tem sido salva pela riqueza do agronegócio, que tem no Paraná um dos seus principais núcleos de produção. É fácil imaginar que um eventual problema elétrico no Paraná terá um peso bastante diferente daquele que aconteceu no Amapá, um estado que tem os seus méritos, mas é periférico e de economia limitada.
O Governo precisa apenas acordar, botar os pés no chão e correr atrás de eventuais problemas, para evitar o prejuízo maior de novos apagões. Um pouco de caldo de galinha e fiscalização prévia não fazem mal a ninguém. Apagões, sim. Eleitores, que são seres meio estranhos e às vezes ressentidos, tendem a punir governantes que não trabalham corretamente em relação ao setor elétrico.