A hora da barata-voa
Dizem as fofocas da História que, no trágico setembro de 1973, após o golpe militar que derrubou o governo constitucional do presidente Salvador Allende, no Chile, um grupo nervoso de empresários procurou os novos donos do Poder para saber porque estava demorando tanto a sair a portaria contendo os preços tabelados dos produtos básicos.
A resposta dada por um oficial superior do Exército foi a mais lacônica possível: “A partir de hoje não tem mais portaria de tabelamento de preços. Os senhores estão livres para praticar os preços que julgarem convenientes”.
As testemunhas dizem que foi uma barata-voa, pois a área empresarial, acostumada que estava ao rígido controle de preços do período socialista de Allende, simplesmente não sabia trabalhar em um mercado livre e sem a interferência do Estado.
Provavelmente é o que acontecerá no Brasil no dia em que alguma autoridade sensata anunciar que acabou a formação de preços por programas computacionais no setor elétrico e que as empresas são inteiramente livres para comprar e vender energia elétrica sem se preocupar com a definição do PLD.
No dia em que acontecer isso, um monte de coisas que hoje têm enorme importância no setor elétrico simplesmente vai desaparecer no ralo. Quem ganha dinheiro definindo valores do PLD ou tentando interpretar as suas nuances terá que arrumar outras ocupações. O fato é que essas três letrinhas (P-L-D) são responsáveis por um enorme atraso no SEB e aumentam incrivelmente os custos de administração do setor.
Só não vê quem não quer.
Há, naturalmente, enormes interesses empresariais ou mesmo da burocracia estatal ou paraestatal por trás de tudo isso. Uma associação mencionou há poucos dias que metade dos seus associados quer o fim dos preços feitos por esses programas computacionais e a outra metade prefere ficar do jeito que está. Estes provavelmente são aqueles que ficariam perdidos se o mercado ficasse enfim liberado dos programas computacionais. Não saberiam como trabalhar em um cenário de liberdade do mercado.
Investidores estrangeiros devem rir da forma como é feita a gestão dos preços no setor elétrico brasileiro. Porque é algo absolutamente atrasado, embora revestido de sofisticação intelectual.
Esse episódio que gerou um recurso da Abraceel à Aneel, reclamando da forma como as normas foram atropeladas na formação de preços é bem característico da verdadeira confusão que é esse negócio de definir preços através de programas de computador.
Ao longo dos anos tem sido uma bagunça sem fim, gerando correções e fofocas. Dados de entrada não correspondem à realidade e geram dados de saída totalmente fajutos. Há erros nos cálculos das vazões. E ainda tem os erros do famoso estagiário do ONS, provavelmente a figura que tem mais poder neste nosso belo e ineficiente país chamado Brasil. O estagiário tem o dom de fazer com que as empresas que operam no mercado de energia elétrica ganhem ou percam milhões de reais. Realmente, é muito poder concentrado em um só estagiário.
Este editor já está na faixa etária de algumas décadas, está mais prá lá do que prá cá e tem sido um sobrevivente do Covid até agora. Provavelmente não verá o dia em que o mercado finalmente ficará livre dessas bobagens tecnológicas engendradas pelo MME/CCEE/ONS/Aneel na hora de se fixar o preço da energia elétrica.
É muita macumba na forma de algoritmos, que só os gênios matemáticos conseguem compreender. Aliás, sexta-feira tem sido um dia muito interessante para se definir o valor do PLD. Também é o dia da galinha preta, das velas acesas e das garrafas de pinga em determinadas encruzilhadas em que os despachos ao Exu ou ao Ogum são feitos. Outra coincidência entre a macumba e o Operador é a palavra despacho. Despacha-se a energia e despacham-se as oferendas aos deuses das religiões africanas. Das quais, por sinal, este editor tem enorme admiração e respeito.
Seria muito interessante ver a barafunda que daria no SEB no dia em que alguém simplesmente sensato explicasse que não haveria mais definição do PLD numa certa sexta-feira. Haveria uma barata-voa igual foi no Chile no início da ditadura de Pinochet.
Talvez seria o momento adequado para saber quem efetivamente tem competência para operar no setor elétrico, quem sabe comprar e vender energia, ou quem precisa mascarar as suas deficiências através da utilização compulsória de modelos matemáticos ultrapassados.