Saída de Wilson é mau sinal
A renúncia de Wilson Ferreira Junior à presidência da holding estatal Eletrobras lança dúvidas sobre o futuro de outros projetos que se arrastam há tempos no Congresso Nacional. Não se trata apenas da privatização da Eletrobras.
Como qualquer jornalista iniciante em Brasília sabe há décadas, jabutis não sobem em árvores. Então, se um projeto da magnitude da privatização da Eletrobras entra e sai de gavetas do Executivo e do Legislativo é porque tem boi na linha e mostra a força da classe política, que se entrincheirou nas empresas vinculadas à Eletrobras e não quer entregar a rapadura de jeito nenhum.
É fácil entender porque o processo de privatização não vai para a frente. Na região Norte, os políticos locais de várias tendências não querem nem ouvir falar na venda do controle acionário da Eletronorte. Imagina-se a razão. Da mesma forma, os do Nordeste torcem o nariz para a privatização da Chesf. E na região central do País, a classe política se une, à esquerda e à direita, para impedir a transferência de Furnas à iniciativa privada.
Em todos esses casos, não se trata apenas de nomear um ou outro afilhado para algum cargo de escalão intermediário nessas estatais. Se fosse apenas isso, seria um mal menor. O interesse é muito mais amplo e quase sempre está associado ao departamento de compras. O que conta é o business. Estamos falando de empresas enormes, que compram de tudo em larga escala. Se um deputado do Baixo Clero de um desses estados tem um cunhado que pode vender à estatal um produto que custa 100, quando no mercado é fácil encontrar por 30, opa, é aí que um nobre parlamentar imbuído de patriotismo encontra uma brecha para ganhar um dinheirinho. Afinal, não vale a pena investir milhões numa eleição para se viver apenas de rachadinhas.
O que se relata aqui é apenas um exemplo teórico muito tosco para se entender de forma pedagógica como se misturam os interesses nessas estatais do setor elétrico. E é um jogo em que há espaço para todo mundo pois essas estatais são como queijo Emmental, cheias de buracos. Enquanto o parlamentar do Baixo Clero não quer vender a estatal para não perder a boquinha, o congressista da esquerda também se opõe não por questões fisiológicas, mas, sim, ideológicas. Ele é contrário a qualquer tipo de privatização e defende o seu oposto, a estatização, com unhas e dentes. Os interesses então se cruzam com enorme facilidade, para prejuízo de quem está interessado em eficiência da economia. Não é sem motivo que o Brasil é um país de energia barata e contas de luz caríssimas. Não existe almoço grátis e alguém tem que pagar a conta da ineficiência das estatais, o que acaba caindo no colo do consumidor.
Tem sido assim há tempos, desde os anos 90, quando a privatização da Eletrobras entrou no radar do presidente Fernando Henrique Cardoso. O projeto foi torpeado por todos os lados, unindo o então PFL (hoje DEM) e o PT.
Quem gosta de estudar a História aprende logo que ela se repete. Hoje, quando se olha para o setor elétrico brasileiro, vê-se com perplexidade que é o que acontece. O presidente Jair Bolsonaro se elegeu com uma bandeira que, entre outros itens, prometia uma visão liberal de Governo e, dentro dela, um forte programa de privatização. A indicação do ministro Paulo Guedes para a Pasta da Economia foi uma espécie de aval para dizer que, agora, a coisa ia para a frente.
Que nada. Talvez a maior frustração de Guedes, no Governo, seja exatamente a privatização. O presidente da República, no seu populismo que se adapta com facilidade a todas as circunstâncias, não tem a mínima preocupação com a privatização de nada, inclusive do Sistema Eletrobras. Faz um jogo de cena para agradar alguns, mas na realidade não está interessado. Ele acredita mais no outro lado, ou seja, que uma boa estatal pode ser excelente moeda de troca visando ao apoio que ele precisa ter do Centrão na agenda política do dia a dia.
À frente da Eletrobras desde o Governo Temer, Wilson Ferreira Junior seguiu o manual com rigor, preparando a empresa para a privatização. Em quatro anos, saneou a Eletrobras: cortou despesas, enxugou o quadro de pessoal, pagou dívidas, acertou a contabilidade. Fez o diabo, no bom sentido, visando a transferência do controle acionário da estatal. Acreditava nisso.
Ele foi até onde deu e jogou a toalha quando descobriu que, a rigor, no Governo e no Congresso ninguém está interessado em privatizar a empresa. É lamentável tudo isso. O Brasil está perdendo uma excelente oportunidade para se livrar de uma fase na história do SEB e dar um passo à frente. Enfim, parecem ter razão aqueles que dizem que o Brasil gosta do atraso. Só falta agora Bolsonaro colocar um militar no lugar de Wilson para ficar igualzinho aos anos 70. Já tem um no MME, portanto falta pouco.
O pior de tudo é que os problemas de indefinição do SEB não se resumem à privatização da Eletrobras. Existem outros dois assuntos que igualmente se arrastam no Congresso Nacional e o Executivo aproveita e faz aquilo em que é campeão: simplesmente enrola e ganha tempo com a confusão, que em parte é gerada por ele mesmo.
Um desses temas é a modernização do próprio SEB, com a ampliação do mercado livre de energia elétrica. Uma parte significativa do mercado tenta avançar na reforma do setor, mediante a aprovação do PLS 232/2016 e do PL1917/2015. Isso tem sido uma luta.
O outro assunto é o novo marco legal do gás natural, um assunto que vem patinando no Congresso há sete anos. O Senado Federal aprovou um projeto de lei (PL 4476) em 10 de dezembro, mas de forma diferente do que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados em setembro de 2020. Então, a proposta precisa novamente passar pelo crivo dos deputados e é aí que mora o perigo.
Existem defensores do texto aprovado pelo Senado e existem aqueles que querem aproveitar o retorno da proposta à Câmara para mudar tudo. Como o governo não tem uma visão estratégica clara e quem dá as cartas é o Centrão, o lobby come solto. Faz-se uma ideia o que vai sair daí.