SEB, na vanguarda do atraso
Que o Brasil é um país cheio de contrastes todos que vivem aqui já sabem há muito tempo. É o país de um povo trabalhador e sofrido, mas alegre e generoso. Também é o país da corrupção, do jeitinho, das políticas públicas ineficientes, do desperdício, da violência generalizada e da criminalidade, dos políticos desonestos e mentirosos e das desigualdades sociais e raciais, além de relações sociais medievais, para ficar apenas nisso. Vale lembrar que há poucos dias este editor usou a palavra bunda num texto e houve um desocupado ou maluco que reclamou, sob o argumento que era um palavrão. Esse é o Brasil.
O setor elétrico brasileiro, é lógico, acompanha essas contradições. Tem uma excelente operação, mas ao mesmo tempo tem um planejamento ridículo. Tem algumas das melhores escolas de engenharia elétrica do planeta, que forma excelentes técnicos, mas também está apegado a conceitos do passado, que nos deixam na chamada vanguarda do atraso. Um desses conceitos em que não conseguimos jamais avançar é a liberdade de escolha na aquisição da energia elétrica por parte dos consumidores.
No último dia três, a associação dos comercializadores, a Abraceel, realizou uma live para discutir a questão da liberdade na compra de energia elétrica, enquanto apresentava uma pesquisa contratada ao Instituto Datafolha sobre o tema. Este site gostaria de destacar a participação de Eduardo Teixeira, diretor de Mercados e Consumidores da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos de Portugal (Erse), conforme mostra um relatório encaminhado aos associados da Abraceel.
Teixeira disse coisas que dão vontade de chorar, pois na comparação ilustram todo o nosso atraso, e mostram como os consumidores brasileiros de energia elétrica ainda vivem na Idade da Pedra, quando se analisa algumas situações que existem no Brasil e se olha para a Europa.
O principal atraso nem está diretamente relacionado com o que Teixeira disse na live. Afinal, o que se chama de “mercado” de energia elétrica no Brasil não passa de uma coisa sem pé e sem cabeça, cujos preços são engessados por modelos computacionais e não pelos entendimentos entre vendedores e compradores. Têm uma roupagem moderninha que engana, mas é o atraso do atraso.
A outra questão relevante é que há mais de 20 anos as autoridades do setor elétrico simplesmente empurram com a barriga essa história de liberdade de escolha pelos consumidores quanto aos supridores de energia elétrica. Estão sempre inventando mil argumentos, na maior cara de pau, para impedir a modernização do setor.
Posto isso, vamos ao que Eduardo Teixeira disse. Entre outras coisas, ele afirmou que em Portugal cerca de 95% do consumo já estão dentro do mercado livre, o que corresponde a 85% de todos os consumidores daquele país. No Brasil, apenas os consumidores de grande porte podem fazer a opção por serem livres.
Além disso, o diretor da Erse explicou que o processo em direção ao mercado livre foi contínuo, ou seja, como aqui começou com os grandes consumidores e depois foi avançando sobre outras faixas do consumo. As semelhanças pararam aí. No Brasil, o processo de mudança simplesmente estancou nos maiores consumidores e desde então o que se vê é apenas enrolação por parte das autoridades (MME, CCEE, ONS e Aneel).
De vez em quando, como agora, surge alguém que envia uma proposta de modernização ao Congresso Nacional, mas não se empenha seriamente na defesa das mudanças. Tudo sempre é feito de forma burocrática, extremamente lenta e sem o devido entusiasmo.
Eduardo Teixeira esclareceu que, em Portugal, o processo já está tão avançado, que os consumidores são o centro de decisão do próprio mercado e as comercializadoras passaram a aprimorar seus produtos para fornecer preços mais acessíveis aos consumidores finais. Pobre Brasil: em Portugal, numa única fatura, o consumidor já pode receber os dados de energia elétrica combinados com o fornecimento de gás, telefonia e até seguros.
Em Portugal, a conta ainda detalha a fonte da energia e isso ajuda na conscientização da população e dos produtores na busca por ofertas de fontes renováveis ou até mesmo passar a produzir sua própria energia. Está muito claro que ainda temos que avançar muito para chegar ao nível de Portugal.
“Teixeira também ressaltou ser de suma importância desfazer os mitos existentes com a abertura do mercado e levar à sociedade a facilidade da troca de fornecedor ou a confiança na comercializadora de entregar um serviço de qualidade”, cita o relatório.
O presidente executivo da associação, Reginaldo Medeiros, segundo o documento, mencionou os três maiores entraves para a abertura integral do mercado no Brasil: a falta de vontade política, mobilização da população (para fazer com que os políticos atuem em questões que interessem efetivamente aos consumidores) e ação do governo e da Aneel no sentido de elaborar as diretrizes de suas responsabilidades sobre o assunto.
Essas dificuldades têm sido observadas com facilidade em simples conversas com técnicos do governo ou da Aneel. Há poucos dias, duas comercializadoras tiveram problemas de liquidez, face aos altos preços praticados em consequência da crise hídrica. São situações que afetam os mercados em geral e que de alguma forma encontram soluções entre os próprios agentes, mesmo que alguns deles tenham que realizar prejuízos nos seus balanços.
Entretanto, foi possível observar que mesmo essa questão, que não é desejada, mas é inerente aos mercados, está sendo utilizada como argumento por alguns técnicos para dizer coisas do tipo: “Está vendo? Você acha que pode ter abertura de mercado no Brasil”? Ou seja, já estão utilizando uma situação atípica como argumento para barrar os avanços que se pretende atingir no setor elétrico brasileiro.
Pelo visto, o nosso atraso ainda vai continuar um pouco mais.