Conversa para boi dormir II
Nada como um dia depois do outro. Numa grave crise hídrica ocorrida durante o governo da presidente Dilma, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tomou a decisão arriscada, mas correta, de flexibilizar as normas de segurança na transferência de energia de uma região para outra do País, de modo a evitar o apagão. Foi muito criticado.
A questão era politicamente complexa, como agora. O PT tinha sido eleito com base, entre outras bandeiras, numa fortíssima crítica ao racionamento ocorrido durante a gestão do presidente Fernando Henrique. É lógico que no Governo do PT não poderia ocorrer um apagão, pois seria a desmoralização absoluta, sob o ponto de vista político. Seria inevitavelmente visto como o mais do mesmo.
Aquele momento era bastante parecido com o atual. As forças políticas que hoje mandam no País, e que na época eram oposição, desceram o porrete no Ministério de Minas e Energia e nos técnicos do ONS. Nos bastidores, falavam-se barbaridades. O fato é que esse relaxamento nas normas de segurança no intercâmbio foi fundamental para se evitar um apagão no governo do PT e o ONS fez essa manobra técnica com muita competência, é preciso reconhecer. Fez exatamente o que se esperava de um Operador dotado de credibilidade.
Então, já começava a se formar o ambiente doentio que existe hoje, de intensa polarização da sociedade, uma divisão irracional entre nós e eles, entre o bem e o mal. Sem entrar no mérito se foi certo ou não, o fato é que essa polarização desaguou no impeachment da presidente Dilma e hoje está a todo vapor. O setor elétrico deu essa minúscula contribuição na construção de um ambiente de fofoca, desconfiança e aproveitamento político demagógico.
Agora, a História se repete, mas com os atores ironicamente em posições invertidas. Como se diz na roça, o risco de se faltar energia elétrica no País hoje é tão grave, que está de vaca não conhecer bezerro.
A flexibilização nas normas de segurança pretendida pelo ONS permitirá um ganho potencial de transferência de energia que se calcula em 2.850 MW. Não é pouca coisa. Afinal, já se sabe que até o final do atual período seco, por volta de novembro, os níveis de armazenamento no Sul e no Sudeste/Centro-Oeste estarão pela bola sete.
Este editor pode ser acusado de várias coisas, menos de ser um entusiasta das gestões petistas, das quais, com respeito, discorda em muitos aspectos e concorda com outros. Entretanto, aqueles momentos precisam ser contados para que os leitores que não viveram aquele período da História possam perceber que a operação do setor elétrico é rigorosamente técnica e independe de cores ideológicas ou partidárias.
É possível discordar de muita coisa que o Operador faça. Mas não se pode deixar de reconhecer que em determinadas situações, como a que foi citada aqui, o Operador simplesmente faz o que se aprende nos cursos de Engenharia Elétrica e ciao. O resto é conversa para boi dormir.