A bandeira agora é preta
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, é sem dúvida um servidor público honrado, trabalhador, responsável e educado. Mas, talvez, como almirante de quatro estrelas, ele e outros militares — principalmente da Marinha — espalhados pelo MME estejam deslocados nas suas funções atuais. Afinal, o anúncio, nesta terça-feira, 31 de agosto, da “bandeira de escassez hídrica”, mostra que a gestão do setor elétrico brasileiro está sendo conduzida de forma lenta e improvisada, revelando ainda planejamento inadequado. Foram tomadas algumas medidas para debelar a crise atual, mas é inegável que o foco se concentra basicamente na pressão sobre o esforço financeiro dos consumidores para tentar reduzir o consumo.
Não foi sem razão que, ao reiterar o pedido para que os consumidores economizem água e energia, em pronunciamento através de rede nacional de rádio e televisão, também nesta terça-feira, o ministro Albuquerque sequer fez menção à criação da bandeira de escassez hídrica, que vai representar um aumento de quase 7% na tarifa média para os consumidores, num momento em que manter a conta de luz em dia fica cada vez mais difícil. Isso assusta o próprio Governo. Afinal, as contas de alguma forma serão pagas, mas no mundo político todo mundo sabe que a fatura vai para o bolso do presidente Jair Bolsonaro.
Na entrevista coletiva desta terça, o ministro afirmou, com razão, que as medidas operativas que estão sendo tomadas “estão surtindo os efeitos que se espera, mas ainda não levam a uma situação de conforto”.
É verdade. Entretanto, não é preciso ser um doutor em energia elétrica para entender que o Governo poderia ter agido com mais vigor há algum tempo, quando o acionamento da bandeira vermelha e os números apontados pelo ONS mostravam que o Brasil marchava na direção de uma fortíssima crise hídrica. Entretanto, o Governo vacilou , temendo os impactos políticos da crise e agora tem que administrar a escassez num nível pior ainda. O Governo demorou a tomar as suas decisões.
Os impactos inflacionários gerados pelas contas de luz são evidentes, como este site já mostrou em outras oportunidades. Na análise econômica, não se duvida também que esses impactos não vão se limitar ao exercício de 2021 e a escalada de preços vai continuar em 2022. Justamente o momento em que os eleitores serão convocados às urnas.
Bem, juntando-se inflação alta com crise hídrica, desemprego crescente, câmbio nas nuvens, popularidade em baixa, falta de apoio da mídia, do empresariado, do Legislativo e do Judiciário, pode-se dizer que o presidente Bolsonaro não vive um dos seus melhores momentos. Vai precisar de muita conversa nas lives das quintas-feiras para recuperar a imagem nos próximos meses, de modo que possa emplacar um segundo mandato.
Nesse contexto de dificuldades de natureza política geradas pela falta de água nos reservatórios, pode-se dizer que a bandeira da escassez hídrica também tem cor. Depois das bandeiras verde, amarela e vermelha, que já existem no receituário da Aneel há vários anos, agora foi criada a bandeira preta.