ML vira briga de cachorro grande
O anúncio, nesta quarta-feira, 15 de dezembro, da incorporação da Focus Energia pela Eneva é mais um indicativo de forte movimento de concentração entre operadores do mercado livre, que aparentemente está longe de terminar.
Nas últimas semanas, o Grupo Equatorial comprou os 49% das ações da comercializadora Solenergias que estavam em poder dos outros sócios. A Vibra já tinha ficado com metade da Comerc e a Cosan já tinha absorvido a totalidade da Compass.
Quem olha para a extensa e exuberante lista de associados da Abraceel, com 106 empresas, talvez não perceba, mas, à medida em que se aproxima a eventual abertura do mercado livre, com a tendência de expansão do atraente negócio das comercializadoras, tudo faz crer que a associação deverá encolher devido ao processo de concentração. O jogo está ficando bom para ser jogado, mas provavelmente isso valerá apenas para cachorros grandes.
Uma das razões para a concentração é mais ou menos óbvia. A CCEE e a Aneel ainda não abriram totalmente o jogo, mas o fato é que só haverá expansão das operações dos agentes de comercialização se forem alteradas as regras, permitindo-se que seja jogado apenas por comercializadoras que tenham retaguarda. Isto significa patrimônio líquido compatível, incluindo ativos operacionais e grana nos bancos em condições de compensar eventuais prejuízos no mercado.
Está chegando ao fim a era de romantismo do mercado livre, quando o empreendedor abria uma empresinha de R$ 5 mil de capital social e entrava quente no mercado, operando milhões e milhões de reais, até que um dia a casa caía (em consequência de fraude ou apenas de operações de risco mal calculado).
Em alguns casos, o empreendedor totalmente picareta passava a mão numa mala cheia de dinheiro e ia curtir a vida em Miami, antecipando a boa vida dos autores de algumas falcatruas com moedas virtuais, os chamados magnatas do bitcoin.
Nesse período romântico do mercado livre, até cartas de fiança falsas costumavam aparecer nas operações do mercado livre, segundo rumores contados pelo próprio mercado.
Tudo isso está ficando para trás. O que está chegando no novo mundo da comercialização são conglomerados de energia ou não, bancos e grandes empresas com múltiplos interesses e forte capitalização.
Eles já estão constituindo a segunda geração do mercado livre, pouco mais de 20 anos depois dos primeiros empreendedores, que, de pastinha na mão, batiam na porta de potenciais consumidores livres para falar de um negócio que ninguém sabia direito o que era.
É preciso tirar o chapéu para os primeiros comercializadores de energia elétrica. Essa turma pioneira saiu do zero e criou um belíssimo negócio que hoje representa 35% da energia vendida no País e vale R$ 100 bilhões. Opa, não é pouca coisa, mas um mercado desse tamanho não é para bagre e sim para tubarões. Tem muita gente de olho grande nesse enorme mercado e muitos interessados já estão a caminho.
Na realidade, não se trata de uma novidade na economia brasileira. Aconteceu nas últimas décadas com o sistema bancário. Nos anos 90, quando a inflação deixou de ser a grande preocupação nacional (volta a ser, lamentavelmente, mas isto não é assunto para agora), foram abertas muitas instituições financeiras de menor porte, normalmente com operações regionais, acompanhando, aliás, um movimento na história do sistema bancário que era cíclico.
O Brasil tinha bancos regionais, que depois desapareceram e depois voltaram a existir. Praticamente todos esses novos bancos sumiram do mercado e o Brasil voltou a ter praticamente seis ou sete bancões, até os últimos anos, quando o sistema financeiro foi fortemente sacudido pelo surgimento das fintechs e algumas se transformaram em empresas enormes. É um mercado que também está em ebulição, tentando entender o que está ocorrendo.
Nos últimos tempos, dezenas de comercializadoras foram criadas, todo mundo na expectativa de ganhar um dinheirinho no mercado que está se abrindo. De certa forma, esses novos agentes do mercado repetiram o papel dos comercializadores pioneiros dos anos 2000. Entretanto, agora, com o arrocho das exigências que serão feitas pela Aneel e CCEE, muitos simplesmente não sobreviverão e serão engolidos pelos grandões, que já estão dando o ar da graça e forçando a passagem.
Está acabando o momento em que se dizia que havia lugar para todo mundo. Dentro de pouco tempo, só haverá lugar para os grandes. Se não for assim, não haverá abertura do mercado de energia elétrica. Quem entrou no mercado nos últimos anos e ralou para aprender como esse negócio funcionava, tudo bem. Quem não entrou até agora, não entra mais. Só se tiver muita grana e ativos operacionais para oferecer em garantia.