A briga pelo ML volta com força
A crítica feita pelo Instituto Acende Brasil (veja a matéria na manchete deste site) à proposta de expansão do mercado livre de energia elétrica no Brasil surpreende, na medida em que ocorre apenas poucos dias depois que a ideia foi publicamente defendida pelo próprio presidente Jair Bolsonaro na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional.
Olhando pelo retrovisor para a história da associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, vale lembrar que, durante anos, os agentes de comercialização foram obrigados a conviver com uma situação muito esquisita. Naqueles anos iniciais da Abraceel, quem mandava de verdade na organização eram os distribuidores, que, por sua vez, não queriam perder fatias do seu mercado cativo para o nascente mercado livre. Então, eles criaram as suas próprias comercializadoras e tomaram conta da nova associação.
Nesse período de afirmação da Abraceel, aconteceu de tudo, até situações em que os comercializadores, que ainda eram poucos e não tinham força política dentro da sua própria associação, eram até humilhados por alguns representantes dos distribuidores. Houve o caso lamentável de um executivo de distribuidora que, passando por cima do seu próprio executivo que era dirigente da Abraceel, um dia pegou o telefone e quis dar ordem diretamente à associação dos comercializadores.
Nesse contexto, houve momentos em que a maioria dos integrantes do Conselho da Abraceel era composta por indicados por conglomerados de energia elétrica com forte participação em distribuição. Essa é uma das razões pelas quais o mercado livre andou de lado no Brasil durante anos, pois os distribuidores, que não queriam a expansão do ML, se aliaram aos governos petistas, que tinham o mesmo propósito, embora por questões ideológicas. O PT era e talvez ainda seja contra mercados de forma geral.
Na medida que o tempo passou e o mercado livre cresceu, o jogo de forças dentro da Abraceel também se alterou. Uma vez, numa conversa reservada com um diretor da Abraceel, um presidente de distribuidora reclamou: “Minha empresa é uma das maiores do Brasil e eu não consigo mandar mais nada nesta associação. Por que estou aqui?”. O fato é que, embora ele tenha deixado a empresa, há alguns anos, ela até hoje faz parte da Abraceel.
Atualmente, o mercado livre tem 35% da energia comercializada no País e isto significa cerca de R$ 120 bilhões por ano. Alguns gigantes do mundo empresarial, que não têm relação com a área de distribuição, estão de olho nessa fatia espetacular do mercado brasileiro de energia elétrica. Bancos, inclusive. E, mais do que isso, também olham para as perspectivas comerciais que surgem com a proximidade da abertura do mercado.
Só que os agentes de comercialização, que antes eram poucos e politicamente fracos, agora não estão sozinhos nas divergências empresariais históricas com os distribuidores. E isso se reflete dentro da própria Abraceel. Hoje, no seu Conselho de Administração, apenas um vice-presidente está vinculado a um conglomerado de energia elétrica com forte presença em distribuição. Os demais se dividem entre as áreas de comercialização e geração. Nessa configuração, a distribuição não manda mais nada na Abraceel. No máximo, acompanha o que acontece lá dentro.
Não é estranho que esse míssil contra a abertura do mercado de energia elétrica tenha partido do Instituto Acende Brasil, o qual, entre os agentes econômicos que o financiam, conta com 17 entidades ou empresas ligadas à área de distribuição, inclusive a própria associação dos distribuidores de energia elétrica, a poderosa Abradee.
Mas há meses uma espécie de guerra de guerrilha já está ocorrendo no âmbito do Legislativo e do Executivo, terrenos em que o lobby come solto e é o verdadeiro responsável pelo travamento na tramitação dos dois projetos diretamente relacionados com a expansão do mercado livre.
Esse conflito envolvendo fortes interesses empresariais estava apenas numa espécie de hibernação nos últimos 15 anos, em que distribuidores e comercializadores ficaram medindo forças e um chutando a canela do outro por baixo da mesa. Agora, a briga aparentemente ressurge com força e aberta. Esses movimentos empresariais a favor e contra a expansão do mercado livre tendem a se tornar mais agudos e mais agressivos de agora em diante, na medida em que se intensificar o debate sobre o ML.