O PL 414 subiu no telhado?
Um texto de apenas cinco parágrafos, distribuído durante o Enase, no Rio de Janeiro, nesta semana, mostra com clareza que o setor elétrico brasileiro está rachado em relação ao PL 414, cujo objetivo é modernizá-lo.
O texto na realidade é uma carta que o Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) endereçou a algumas autoridades do Poder Legislativo, solicitando urgência na tramitação do projeto no âmbito do Congresso Nacional.
O Fase é constituído por 27 organizações. Todas estão de alguma forma relacionadas com o setor elétrico. Algumas mais, outras menos. Na visão deste site, com todo o respeito pelo trabalho que é executado pelos integrantes do Fase, apenas 10 estão efetivamente na linha de frente dos problemas setoriais. Não que as demais sejam apenas coadjuvantes, mas muitas concentram seus esforços em questões muito segmentadas, às vezes nem diretamente ligadas ao SEB.
E, nessas 10 que são mais atuantes, o setor está rigorosamente dividido em relação ao PL 414. Cinco apoiaram a carta do Fase e cinco entenderam que a questão não é urgente, ou seja, abriram uma dissidência. No entendimento deste editor, é uma dissidência de respeito, pois não se trata de 21 a favor e seis contra a urgência, mas de cinco contra cinco, o que muda a conversa. Essa questão é relevante para se tentar entender a política atual dos grupos que atuam no setor elétrico brasileiro.
Cada um desses dois grupos conta com apoiadores fortes na Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, nada diz que seja necessário existir unanimidade em relação a qualquer tema. Aliás, o jornalista e escritor Nelson Rodrigues disse que “toda unanimidade é burra”. Nesse contexto, visto sob o ponto de vista do autor de “A dama do lotação” e “A vida como ela é”, o SEB está bem na foto. Só que não é bem assim, pois o racha mostra que o jogo não está para principiantes. Os interesses econômicos envolvidos são muito grandes em torno do PL 414, o que justifica as ações de lobby e os posicionamentos públicos como essa carta do Fase.
“A maturidade do texto, capaz de unir diversos interesses setoriais, faz com que este Fase solicite aos nobres parlamentares celeridade na tramitação do tema na comissão especial, criada no dia 31 de maio, para proferir um parecer sobre o assunto ainda antes do iminente recesso parlamentar do meio do ano”, diz a carta, assinada pelo presidente do Fase, Mário Menel, apoiador em tempo integral do PL.
E finaliza: “A aprovação do novo marco regulatório do setor elétrico é a principal notícia que o Congresso Nacional poderá dar ao consumidor brasileiro, posicionando o mercado de energia elétrica para alavancar novos investimentos, acelerar a transição energética, potencializar a inovação e o desenvolvimento tecnológico, atendendo anseios da sociedade e dos agentes produtivos”.
Falando em nome do governo, no mesmo evento, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e a secretária-executiva do MME, Marisete Pereira, reafirmaram a importância do PL 414 e manifestaram confiança na aprovação da matéria ainda no atual semestre legislativo. Essas declarações (feitas por mensagem gravada e teleconferência) não significam muita coisa. O antecessor de Sachsida, Bento Albuquerque, passou toda a sua gestão de três anos acreditando em rápidas decisões por parte do Congresso Nacional.
Curiosamente, uma pesquisa realizada pelo Portal Canal Energia, organizador do Enase, com participantes do evento, revelou que 37,7% acreditam que o PL 414 subiu no telhado, ou seja, ficou para 2023. Para esses executivos, não haveria mais tempo hábil para uma tramitação na comissão especial e depois a apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados, tendo em vista a proximidade do recesso parlamentar e, em seguida, do processo eleitoral, quando os congressistas vão desaparecer de Brasília para cuidar de seus interesses partidários nos estados.
Pode-se alegar que 37,7% não constituem uma maioria do universo pesquisado. É verdade. Mas também é preciso reconhecer que trata-se de um percentual expressivo de especialistas do setor elétrico que não acreditam mais na viabilização do PL 414 no curto prazo. Quem trabalha no setor privado tende a ser mais pragmático do que eventuais sonhadores de plantão da Esplanada dos Ministérios. Diariamente, esse pessoal das empresas sabe onde o calo aperta.
Todo esse contexto é lamentável, pois há anos o SEB vem discutindo e rediscutindo uma proposta de modernização, que, entre outros dispositivos, permitirá a ampliação do mercado livre de energia elétrica.
Este site sempre apoiou a proposta, pois entende que é boa para os consumidores. Mas se ocorrer um novo atraso e o PL ficar para 2023, não será o caso de se fazer uma caça às bruxas, porém de se tentar entender o que deu errado no entendimento com o Congresso, pois tudo corria bem e a aprovação da matéria nos próximos dias era dada como líquida e certa.
Nessa visão para dentro, o SEB poderá encontrar situações que talvez aprofundem o racha entre as associações, pois, pelas informações disponíveis dos bastidores, tudo indica que houve gente que passou por cima do Fase e pisou na bola. Isso poderá ter um rescaldo associativo. A conferir.