O estranho Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro é um homem público estranho. Não parece nada vocacionado para cargos executivos. Não entende de orçamento, acha que é o dono da verdade em situações de planejamento e também é capaz de assumir atitudes horrorosas e não civilizadas, como homofobia e a misoginia. Sem contar um quase desprezo pelos povos indígenas, cuja cultura ele não valoriza e cujas terras ele permite, por omissão, que sejam invadidas por garimpeiros. Também é imperdoável a atitude do presidente em relação ao Covid-19. É possível ainda que Bolsonaro faça parte do grupo folclórico que acredita que a Terra é plana. Tem mais: permitir o armamento da população é uma atitude mais do que deplorável e triste.
Entretanto, em algumas faixas das decisões presidenciais, Bolsonaro tem se revelado um presidente antenado e moderno.
Por exemplo: há tempos, o Brasil conta com um Banco Central totalmente independente. Seus diretores possuem mandatos e não podem ser demitidos pela interferência política. Isso coloca o Brasil num patamar bem alto na história econômica, permitindo que as políticas de crédito, cambial e monetária sejam tocadas por especialistas e não por candidatos de olho nas pesquisas de opinião.
Políticos de modo geral odeiam bancos centrais independentes, pois podem se tornar Poder na próxima eleição e eles não querem perder a oportunidade de manipular as taxas controladas pelo BC. Há poucos dias, o candidato Ciro Gomes foi à televisão para dizer que vai pedir a renúncia da diretoria do Banco Central, caso seja eleito. Ele é o típico político incapaz de conviver com um BC autônomo. Não se sabe exatamente o que deu em Bolsonaro, mas o fato é que ele tomou essa histórica decisão de dar autonomia ao nosso BC e o Brasil agradece.
Outra decisão relevante de Bolsonaro, aí já entrando na área de atuação deste site, é a privatização da Eletrobras. Fernando Henrique desejava privatizar, mas não conseguiu por falta de apoio político. Lula e Dilma eram e são contrários à ideia de privatizar qualquer coisa e nada fizeram nesse sentido. Temer foi apenas um governo de transição, quando tentou acertar os desastres de Dilma no campo da energia, como a MP 579.
Entretanto, é bom lembrar que Bolsonaro recém-privatizou a Eletrobras, em um processo parecido com o que já tinha acontecido, em 2019, com a BR Distribuidora. Em seu governo, também foi vendida a TAG, transportadora de gás natural. O Brasil é um país meio difícil de entender e no meio do nosso caos é possível que as pessoas se esqueçam disso. Agora, no caso da Eletrobras, Bolsonanro ficou três anos enrolando até que, pressionado pela sociedade, criou coragem e tocou o projeto para a frente.
Obviamente, na campanha para presidente ninguém poderá dizer que ele praticou estelionato eleitoral. Que prometeu privatizar e não cumpriu. Afinal, já poderá mostrar que privatizou alguma coisa. Não haverá resultados imediatos na transferência da Eletrobras para o controle privado, mas em alguns meses já será possível sentir os efeitos da privatização da holding do sistema elétrico.
Agora, vem a questão da pressão de Jair Bolsonaro sobre o Congresso para reduzir o ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis e energia. Olhando na perspectiva do tempo, é possível, sim, enxergar propósitos eleitoreiros nessa medida. Afinal, estamos a poucos meses das eleições gerais e a pergunta que cabe é por qual razão Bolsonaro não fez isso antes.
Só ele sabe verdadeiramente, mas é possível que tenha tido dificuldades no meio do caminho, pois precisa-se de reforma na Constituição e não é fácil ter todos os votos nos plenários das duas Casas do Congresso, mesmo sendo dono de maiorias congressuais. Os deputados e senadores se movem muitas vezes por fidelidade ao que rola nos estados de origem e nem sempre estão fechados com a orientação dos seus líderes de bancadas. Em muitos casos, os interesses dos governadores se sobrepõem aos interesses do presidente da República, como, aliás, foi neste caso.
Essa é uma hipótese: somente agora Bolsonaro teria tido apoio partidário para encaminhar a questão. Os parlamentares também estão de olho na reeleição e apoiaram a proposta imediatamente. Deixaram seus governadores chupando os dedos, embora a proposta do Governo federal tenha sido tentadora, no sentido de garantir a cobertura de eventuais recursos que os estados deixarão de arrecadar.
Essa questão da limitação do ICMS é relevante, sim, e não pode ser vista apenas olhando-se para o calendário eleitoral. Não tem sentido, por exemplo, pagar pela gasolina vendida nos postos de Copacabana um preço mais caro do que a gasolina vendida em Brasília, quando no Rio de Janeiro a refinaria Duque de Caxias está a poucos quilômetros de distância e o DF precisa “importar” o seu combustível, pagando frete, etc. Alguma coisa obviamente está errada e essa coisa atende pelo nome de imposto cobrado pelo Estado do Rio de Janeiro.
Da mesma forma, são as contas de luz, cuja carga tributária em alguns estados supera os 50%. É lógico que o Governo Federal tem a sua parcela de culpa no cartório, mas não se pode esquecer a voracidade dos tesouros estaduais, que têm nos combustíveis e na energia elétrica duas fontes de receita garantida, fáceis de serem cobradas. Verdadeiras galinhas dos ovos de ouro.
Essas decisões de Bolsonaro entrarão no rol das questões que certamente serão discutidas na campanha eleitoral. Ele vai defendê-las, é lógico, e a oposição vai criticar, pois assim é o mundo. A única coisa que interessa aqui é saber se o cidadão-consumidor-eleitor será de fato beneficiado com alguma coisa ou se tudo não vai passar de marolas provocadas pelo mundo político, apenas para enganar o povão.