“Ele conhece o Pelé”
A morte de Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, aos 82 anos, é um fato tão importante na História do Brasil, que este site dedicado à área de energia não poderia fazer outra coisa, no dia de hoje, a não ser efetuar uma correção editorial, não tratar de áridos temas de energia neste espaço, e falar do nosso Rei, o Rei Pelé.
A sociedade brasileira é cheia de contradições, com um desnível social gigantesco. Basta entrar nas cadeias para ver quem são os presos, onde a maior parte é de negros ou mulatos. Em Brasília, às 7 horas da manhã, nos ônibus que se dirigem da periferia para as áreas mais ricas da cidade, 90% dos passageiros são negros ou mulatos.
E foi exatamente nessa sociedade caiada de branco, repleta de injustiças sociais e onde ainda existem muitas pessoas que se envergonham de nossas raízes africanas, que surgiu o nosso Rei. Um Rei negro. O Rei Pelé.
O maior brasileiro em 500 anos de nossa História. Não tem para os políticos, artistas, escritores, jornalistas, generais, médicos, intelectuais ou qualquer outra celebridade. Eles até que fazem muita força, mas não tem como. O maior brasileiro de todos os tempos é o Rei Pelé. Ganha de lavada. Aquele menino preto, pobre, nascido na cidade de Três Corações, em Minas Gerais, é o nosso Rei.
Este editor não é uma celebridade e passa longe do estrelismo. Sequer frequenta redes sociais. Mas pede perdão aos leitores deste site para relatar uma situação pessoal envolvendo indiretamente o Rei Pelé. Ninguém nunca soube desta história, mas hoje é um dia propício para contá-la, para que algumas pessoas possam ter a verdadeira dimensão histórica do Rei Pelé.
No início dos anos 90, este editor foi à África do Sul a trabalho. O apartheid agonizava, mas ainda existia e negros eram discriminados e até morriam por causa dele. Entretanto, os pilares do apartheid estavam rachados e todo mundo sabia que o odioso regime de minoria branca não iria existir durante muito tempo. De fato, foi o que aconteceu.
Este editor passou uma semana em um hotel na cidade de Johannesburgo. O hotel ficava numa região que, pouco tempo antes, era totalmente branca, mas que, naquele momento, já era ocupada por muitos negros, pois era impossível ao apartheid segurar aquela pressão social. Resumo da história: um jornalista brasileiro era o único branco em um hotel onde todas as outras pessoas, entre hóspedes e trabalhadores, eram negros. Absolutamente todos eram regros.
Não havia exatamente uma hostilidade, mas uma desconfiança facilmente identificada em relação aquele branco, que todos obviamente percebiam ser um estrangeiro. No segundo dia no hotel, este editor foi ao bar, sentou-se e pediu uma cerveja. Todo mundo silenciosamente prestou atenção naquele movimento. Como era a figura para onde convergiam todos os olhares naquele bar, o jornalista ousou um pouco mais e convidou dois rapazes negros ao lado para tomar uma cerveja com ele na mesa.
Aquilo era uma situação inusitada, pois com certeza não era comum na África do Sul daqueles tempos. Um branco convidar dois negros para tomar uma cerveja. Os rapazes sul-africanos aceitaram e a conversa seguiu o seu curso, até que se descobriu que aquele branco era brasileiro. Enveredou-se para o lado do futebol.
Cerveja vai, cerveja vem e com futebol no meio, surgiu uma pergunta inevitável. Um dos rapazes levantou a bola: “E o Pelé? O que você diz sobre ele?”. A resposta surgiu naturalmente e verdadeira: “Eu conheço o Pelé”. Um dos dois rapazes sul-africanos levou um susto, se levantou e falou alto, em inglês, para todos ouvirem: “Gente, ele — apontando para este editor — conhece o Pelé”.
Aquela frase teve um impacto difícil de explicar. Imediatamente, todas as pessoas (maioria homens) que estavam naquele bar de um hotel em Johannesburgo, a capital econômica da África do Sul, se levantaram e cercaram a mesa onde estavam o jornalista brasileiro e seus dois convidados sul-africanos.
“Como? Você conhece o Pelé? Por que você conhece o Pelé? Como você conheceu o Pelé? Como é o Pelé? Você viu o Pelé jogar? Você é amigo do Pelé?” E por aí vai. Dezenas de perguntas, que vinham de todas as direções. Nem terminava uma resposta e já surgia outra pergunta. Os sul-africanos estavam interessadíssimos em todos os detalhes que o jornalista conhecia sobre o Pelé.
Quando foi contado que o jornalista havia participado de duas entrevistas coletivas de Pelé, e antes disso, ao longo da vida, tinha tido o privilégio de ver o Pelé jogar num estádio por três vezes, pelo time do Santos e pela seleção brasileira, os sul-africanos foram ao delírio.
É fácil imaginar como terminou essa história. Duas horas e muitas latas de cerveja Castle depois, com uma belíssima fraternidade entre um jornalista brasileiro branco e cidadãos comuns negros da África do Sul, onde, logo depois, surgiu uma espécie de Pelé da política mundial, o presidente Nelson Mandela, a maior personalidade da História do mundo no seu tempo.
Muitas histórias sobre o Pelé estão sendo contadas neste momento triste. Este editor faz questão de dar publicidade a este detalhe de sua vida porque Pelé foi o Pelé. É provável que outros brasileiros, em outras situações, talvez tenham saído de outras situações graças a esse passaporte chamado Pelé. Simplesmente uma palavra mágica. Mais do que um jogador de futebol, mais do que o maior atleta de todos os tempos, um verdadeiro patrimônio da Humanidade. O nosso Rei. O Rei Pelé.