A hora da insensatez
É muito interessante imaginar o que será escrito, dentro de alguns anos, quando a perspectiva histórica permitir que se possa avaliar o momento atual do Brasil sem paixão e com neutralidade.
O País saiu da eleição de 2022 literalmente rachado. Este editor acredita que a coalizão que apoiou o presidente Lula venceu legitimamente o processo eleitoral, mas também acredita que o grupo atualmente no Poder não consegue entender que o País está dividido.
E nesse contexto não é compreensível e nem fácil tentar enfiar as suas verdades pela goela abaixo da parte vencida. É o que está acontecendo neste início caótico do Lula 3.
Vamos lembrar um pouquinho do Governo Bolsonaro. Com as suas loucuras, o ex-presidente e alguns dos seus seguidores se perderam na reta final da campanha e praticamente deram a vitória ao Partido dos Trabalhadores. Ísto é algo difícil para ser aceito pelos bolsonaristas, mas uma análise fria certamente levará a essa conclusão.
Entretanto, o Governo Bolsonaro não foi apenas insensatez. Houve em determinados momento alguma lógica governamental, que se traduziu em atitudes corajosas e politicamente importantes e que hoje são contestadas pelo novo Governo.
Há vários exemplos, a começar pelo Banco Central independente. Um dia, numa outra encarnação, este editor foi convidado pelo então senador Roberto Campos para tomar um café da manhã em sua residência. O senador contou uma história muito engraçada, que se parece com os dias atuais. Ele era ministro e foi explicar ao então presidente Costa e Silva como funcionava a ideia de tornar, naquela época do início da ditadura militar, o BC independente. Costa e Silva ouviu atentamente, depois explodiu com um murro na mesa e disse: “Não quero mais ouvir essa história. O BC independente sou eu. Eu é determino a taxa de juros”.
Só no caótico Governo Bolsonaro, o ministro Guedes conseguiu emplacar a civilizada proposta do BC independente, que hoje é contestada pelo Lula 3. Ao identificar como inimigo o presidente do BC, Roberto Campos Neto (por coincidência neto do senador aqui citado), o presidente Lula reage exatamente como o general Costa e Silva. Políticos com tendência centralizadora gostam de um BC que trabalhe quietinho, obediente, e não dê asas à imaginação de um Copom metido a besta.
É isso que Lula e sua turma (Rui Costa, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad e outros petistas de alto coturno) querem: fixar a taxa de juros de acordo com as conveniências do Partido, não importam as condições do mundo real da economia. Só que para mudar isso, é preciso ter voto no plenário. E muito voto. Como no momento isso não é possível, então surge a guerra de guerrilha contra o presidente do Banco Central e o País, perplexo, fica assistindo o Governo atacando o Governo, sem entender direito o que está acontecendo.
Quando se passa para a área do Ministério de Minas e Energia, o conflito político neste início do Lula 3 é mais ou menos semelhante. Bolsonaro conseguiu privatizar a Petrobras Distribuidora e a Eletrobras, sem contar que a estatal do petróleo desenhou um bom programa de desinvestimento, que era necessário para fazer com que a empresa retornasse aos momentos de saúde financeira, depois de ter quebrado durante o período da presidente Dilma.
Michel Temer teve a coragem política de iniciar a recuperação da Petrobras e Bolsonaro apenas deu continuidade.
A empresa foi saneada com competência, mas o PT não gosta disso. Quer anular o programa de desinvestimento, não engole a privatização da distribuição de combustíveis e imagina a Petrobras trabalhando mais ou menos como na época do general Geisel. Aquela estatal grandona, inchada, cheia de amigos do Partido, fazendo coisas que às vezes não podem ser feitas, e deficitária.
Ninguém duvida que o presidente Lula, hoje, estimula a insegurança jurídica na área do Ministério de Minas e Energia, quando fala quase todos os dias que pretende reestatizar a Eletrobras e investe contra o plano de negócios da Petrobras.
E também ninguém duvida que a tropa de choque do PT estimula a confusão, quando nos bastidores trabalha furiosamente contra a equipe montada pelo ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia.
O PT trabalhou fortemente para evitar que Silveira emplacasse seus nomes de confiança no MME. Depois de uma guerrilha de três meses, em que o ministro venceu a batalha, o PT não desistiu e continua mobilizando a sua tropa de choque, agora para atacar o secretário-executivo do MME, Efrain Cruz, indicado por Silveira. É só ver diariamente o que se espalha contra Efrain Cruz através da internet.
Haja paciência com o modo petista de governar. O ministro Alexandre Silveira tem sofrido o pão que o diabo amassou com o estilo petista de ser, mas tem conduzido a Pasta com serenidade e esperança, na expectativa de que em algum momento o Palácio do Planalto e a presidência do PT possam se render à racionalidade, amadurecer e entender que os interesses do País estão muito acima dos interesses do PT.
E aqui nem se falou ainda do que está acontecendo no meio rural, em que a visão do PT e seus aliados políticos, os chamados movimentos sociais, pretende se sobrepor às leis, invadindo propriedades, destruindo patrimônio e trazendo às manchetes, novamente, um discurso que praticamente estava morto e sepultado, que era o da invasão de terras.
Enfim, são coisas do Brasil. Mas não se pode criminalizar a política por causa disso, porque às vezes é o atrito que conduz o processo. Basta olhar para o mundo. Para a civilizada França, por exemplo, onde o presidente Macron quer aumentar a idade para aposentadoria via decreto, sem passar por avaliação da Assembleia Nacional. Uma iniciativa que tem cheirinho de uma boa ditadura latino-americana. A França está literalmente em pé de guerra.
Como dizem os religiosos, Deus Pai. O Brasil não está isolado na insensatez.