A opinião da Aneel importa
Ao participar de um evento relevante do setor elétrico, na semana passada, no Rio de Janeiro, o Enase (promovido pelo Grupo Canal Energia), o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, tocou num ponto que é uma espécie de tabu e raramente é tratado pelos especialistas do setor: como as decisões do SEB impactam os consumidores mais pobres.
De um modo geral, os executivos das associações e das empresas enfatizam mais os aspectos relacionados com o bem-estar corporativo. Isso tem uma explicação. Enfim, eles defendem os interesses daqueles que pagam os seus altos salários. Os congressistas olham para o outro lado e pensam apenas na próxima eleição e como votarão os eleitores.
Como Feitosa não têm compromisso dessa natureza com o mundo corporativo e nem com o Legislativo e, sim, com os consumidores (é bom lembrar que a Aneel existe para defender com equilíbrio os interesses dos consumidores perante a força das empresas e a demagogia congressual) ele foi claro na sua visão a respeito de alguns problemas atuais do SEB.
Ao mencionar a transição energética, Sandoval Feitosa lembrou que todo mundo fala nos consumidores de energia elétrica, mas que, antes de tudo, é fundamental que eles sejam conhecidos e saiam da invisibilidade.
“A transição energética é muito setorial, e ela deve considerar diversos aspectos, não apenas do setor elétrico, mas da dinâmica da nossa economia. A transição não é um fim em si mesmo, mas ela tem de ser justa tanto para as empresas quanto para os consumidores”, disse o diretor-geral da agência reguladora.
Ele não ficou constrangido ao tratar de uma questão que passa a alguns anos-luz de distância dos participantes do Enase. E falou sobre a pobreza energética, lembrando que, hoje, no Brasil, 16 milhões de unidades consumidores são beneficiadas pela tarifa social de baixa renda. Em termos populacionais, isso representa em torno de 1/4 dos brasileiros. Mas que o subsídio, apesar de ser o mais justo, poderia estar alocado no orçamento público, e não na tarifa de energia elétrica.
Essa é uma velha discussão e quem tem um mínimo de racionalidade não consegue entender o que motiva os congressistas a manter o status quo, pois é muito mais lógico que os subsídios no setor elétrico sejam pagos pela sociedade em geral, isto é, pelos contribuintes, e não apenas pelos consumidores de energia.
Só neste ano, os subsídios aprovados para o SEB chegarão a R$ 34,9 bilhões. Não é pouca coisa, convenhamos, o que dá uma ideia do sacrifício imposto aos grupos de consumidores que bancam os subsídios.
“O setor elétrico é tão abundante que ele fomenta outras áreas da nossa economia. Mas na minha humilde opinião, nós não deveríamos fazer isso. Porque nós estamos sempre discutindo a reindustrialização do país e em determinadas indústrias, 30% a 40% de custo são de energia elétrica, e uma tarifa cada vez mais pesada, com subsídios, ela retira a eficiência da nossa economia”, disse Feitosa.
O diretor-geral também destacou no evento que “a agência é uma grande aliada do Congresso Nacional na construção de políticas públicas para um setor elétrico brasileiro cada vez melhor. As decisões que tomamos repercutem nesta e nas próximas gerações”, alegou Feitosa.
Sandoval Feitosa é um nome que deve ser visto com atenção. Nascido no Piauí, graduado em Engenharia no Maranhão, funcionário de carreira da Aneel, em Brasília, desde 2005, Feitosa faz o seu trabalho com um espírito mineiro, de forma discreta, buscando o consenso sempre que possível.
Compreende bem a necessidade de preservar a saúde financeira das empresas, mas é avesso ao populismo que é intenso nos partidos políticos e ao mesmo tempo mantém a serenidade que se busca em dirigentes públicos, dialogando em alto nível com as empresas e os congressistas de todas as tendências políticas, sem mostrar subserviência. Enfim, é aquilo que se espera de um típico servidor do Estado.
Este site reconhece a importância da Aneel e do seu trabalho ao longo de praticamente três décadas. E este editor nunca escondeu a sua opinião: a Aneel pode continuar trabalhando em alto nível, porém com uma burocracia mais barata para os contribuintes/consumidores.
Nesse contexto, não seria uma loucura se houvesse uma fusão entre a Aneel e a ANP, para diminuir ainda mais os custos do setor energético em geral. Da mesma forma, o ONS e a CCEE poderiam ser um único órgão, sem prejuízo para o SEB. E todo mundo batendo ponto em Brasília.
Apesar dessa opinião, que o editor reconhece ser minoritária, o site “Paranoá Energia” é o primeiro a reconhecer que a Aneel, hoje, conta com um grupo de dirigentes jovens, preparados, e que não se confundem com alguns poucos, do passado, que transformaram a agência reguladora num apêndice do MME e escrava dos interesses políticos imediatos dos governos de plantão.
Os governos e os líderes partidários e empresariais passam. A Aneel fica.