Cuidado com a roleta. Desculpem, com o Dessem
Que os programas de computador que formam os preços da energia elétrica são totalmente inúteis, isso já é mais do que conhecido. É mais antigo do que o rascunho da Bíblía.
Entretanto, o que está acontecendo nos últimos dias escapa a qualquer situação que se poderia imaginar.
O programa Dessem, que faz a programação diária da Operação, está completamente doido e não consegue encontrar uma solução de atendimento à carga.
Quando a carga está baixa, no início do dia, o Dessem considera que os reservatórios estão cheios e o preço é mínimo, mas, assim que o calor aumenta e sobe a carga, o Dessem entra no modo maluquice, pira totalmente e prevê um cenário de crise.
Nesse momento, para desespero dos agentes do mercado elétrico, aciona-se térmicas de quase R$ 2000/MWh com os reservatórios cheios, o que é uma completa insensatez.
Infelizmente, é assim que operam os tais modelos e ninguém faz absolutamente nada. E ninguém toma providências porque teme-se a ira de meia-dúzia de gênios matemáticos que controlam indiretamente o mercado elétrico e que se julgam mais inteligentes do que todos os mortais comuns pelo simples fato que conhecem um pouco mais de Matemática do que outras pessoas. É quando a intimidade com os algoritmos faz a diferença.
O mais impressionante é que o Brasil está no limiar de uma mudança histórica no modelo de energia elétrica, quando se pretende incorporar milhões de consumidores residenciais ao mercado livre, permitindo-lhes optar pelos supridores da energia.
A pergunta que não pode deixar de ser feita: é com esse modelo fajuto de formação de preços por computador, que não vale um tostão furado, que o Brasil pretende incorporar milhões de consumidores ao mercado livre? Desculpem, mas isso só pode ser uma piada.
O fato concreto — e isso não é culpa do atual governo, pois é questão que já vem se arrastando há 20 anos — é que não é mais possível continuar usando os atuais modelos na Operação do setor elétrico brasileiro. Podem falar o que quiser, mas essa é a dura realidade.
Como vivemos num País chamado Brasil, em que todo mundo gosta de empurrar os problemas com a barriga, ninguém faz nada, a não ser tomar decisões paliativas que não mexem na essência das dificuldades atuais. Os modelos de formação de preço por computador ficam por aí, intocáveis, como se fossem a maior expressão da inteligência humana, quando são o contrário, ou seja, uma tremenda bobagem.
Este site já está meio de saco cheio de tocar nesta questão, mas ao mesmo tempo em que se recusa a desistir de assistir tudo isso acontecer, também acompanha com preocupação a picaretagem que existe em torno dos modelos.
Afinal, existem aqueles que sabem que esse troço é uma enganação, mas preferem faturar em cima do problema do que resolvê-lo. Bom, picaretagem é o que não falta no nosso gigantesco e generoso País e no setor elétrico não poderia ser diferente.
Tem muita gente que fatura alto graças à ineficiência desses modelos matemáticos. Não apenas os gênios, mas, também, vários agentes, pois aprenderam a ganhar dinheiro com essas coisas. É ilegítimo? Não. É imoral? Provavelmente, sim, pois poderiam usar a inteligência para buscar outro tipo de modelo que seja mais eficiente.
A coisa é complexa. A CCEE passa a mão na cabeça dos gênios matemáticos. A Aneel, idem. A EPE, idem. O ONS nem se fala, pois ali é o reduto deles. O MME, que agasalha uma enganação chamada Cpamp, finge que não é com ele. As associações empresariais do SEB, que poderiam ter outro tipo de atitude, preferem a opção do silêncio, no oficial, embora nos bastidores desçam a marreta nos modelos falidos. De quebra, falam sempre mal dos consultores (que elas mesmas contratam).
Ninguém pode reclamar. O SEB como um todo tem responsabilidade, alguns mais, outros menos, mas está todo mundo (autoridades, agentes, consultores e até representantes da própria mídia) comprometido com os modelos de formação de preços da energia elétrica através de computadores. É uma beleza de cumplicidade. Todo mundo no mesmo barco.
O que se pratica no dia a dia do mercado elétrico é uma brincadeira, que infelizmente representa muito dinheiro que muda de mão, prá lá e prá cá. Uns perdem, outros ganham. Ninguém efetivamente acredita nesses modelos, mas como o jogo não pode parar vai todo mundo em frente, com fé em Deus e na roleta.
De um modo geral, não se presta muita atenção, mas do jeito que está sendo feito o mercado elétrico brasileiro está meio parecido com a roleta de um cassino.
Na roleta, existem várias modalidades de apostas. Pode-se escolher um número cheio (do 0 ao 36) ou dividir as fichas entre dois números vizinhos. Também é possível apostar em grupos de números. Outra modalidade é apostar na cor, o vermelho ou o preto; se é par ou ímpar; se é a primeira dúzia (de 1 a 12), a segunda dúzia (de 13 a 24) ou a terceira dúzia (25 a 36). Também podem ser escolhidos os números baixos (em alguns lugares são chamados de pequenos), que são aqueles de 1 a 18. Ou os números altos (ou grandes), que são de 19 a 36. Enfim, o apostador tem várias opções e a premiação é própria para cada aposta, num modelo universal.
Tem gente que vira profissional de roleta e estuda com dedicação os três métodos matemáticos mais conhecidos para se ganhar (isso é relativo, pois precisa ter a tal da sorte) numa roleta, conhecidos como métodos Fibonacci, D´Alembert e Martingale.
Isso tudo é muito interessante e estimulante. Só que, não custa nada lembrar, de vez em quando alguém quebra. E quebra feio, pois não teve a sorte de apostar as fichas no lugar certo.
Não é preciso forçar muito a barra para concluir que o nosso mercado elétrico está desse jeito. A sua convicção diz que você vai ganhar um dinheiro fechando determinada operação. Aí vem um Dessem desses da vida, que não tem qualquer simpatia pelos negócios, e estraga a sua vida.
Você perdeu, gente boa. Mas pode ter a certeza que alguém ganhou em cima da sua infelicidade. Cuidado com o Dessem, pois o jogo é cruel dessa forma.