As árvores de SP não têm culpa
Os acontecimentos registrados na cidade de São Paulo, quando fortes chuvas acompanhadas de rajadas de vento deixaram mais de 2 milhões de consumidores sem energia elétrica, são uma espécie de tragédia anunciada.
Os ventos derrubaram dezenas de grandes árvores, que arrastaram a fiação elétrica. E junto se foi a paciência dos consumidores, muitos dos quais não sabem que estão pagando o preço (alto) das mudanças climáticas.
O episódio mostra apenas despreparo generalizado de todo mundo, numa cidade que cresceu demais. Muita gente culpa as árvores por ter que subir 10 andares utilizando escadas. Realmente, não é saudável para quem sofre de hipertensão. E houve naturalmente quem tenha perdido belos carros nesse processo de destruição, atingidos por árvores que pesam toneladas.
Esse gigantesco desabastecimento em São Paulo imediatamente detonou um processo de aproveitamento político, pois falta apenas um ano para as eleições municipais. E a demagogia está comendo solta em programas de rádio e televisão alinhados com as forças políticas que querem conquistar a prefeitura local em 2024.
O governador, o prefeito e a concessionária Enel viraram uma espécie de Geni, como na música de Chico Buarque.
De fato, muita gente tem responsabilidade pela falta de energia. O governador, o prefeito, as subprefeituras, a concessionária Enel. Os prejuízos individuais foram enormes. Muita comida foi jogada fora, muitos negócios deixaram de funcionar. Sem contar a saúde mental, pois o estresse gerado por tudo isto é praticamente impossível de ser quantificado.
Mas fazer uso político do episódio é claramente uma sacanagem. O problema é que hoje, no Brasil, não há um pedaço sequer da atividade humana que não seja afetado pela nefasta polarização política que nos atinge há alguns anos e que ainda vai ficar por aí por um bom tempo. Até mesmo a privatização da distribuição da energia elétrica virou alvo da demagogia do momento.
É difícil ficar otimista diante desse cenário, onde todo mundo ao mesmo tempo (governador, prefeito, distribuidora Enel) tem e não tem razão. Alguém do Ministério da Justiça, figurinha carimbada do partido que dá as cartas, espertamente apressou-se a notificar a concessionária de energia elétrica, em nome da defesa dos consumidores.
Está sobrando até para a Aneel, cuja fiscalização está sendo acusada de ter feito vista grossa para eventuais planos de contingência que deveriam ter sido observados pela Enel.
Numa cidade do tamanho de São Paulo, infelizmente é um episódio que não vai parar por aí. Durante dezenas de anos a cidade cresceu sem limites e ninguém parou para pensar no que daria tanta expansão urbana. Deu nisso. É incontrolável. Na próxima chuva forte com rajadas de vento, provavelmente o fenômeno vai se repetir. É triste escrever isto, mas é algo que pode acontecer novamente com enorme facilidade.
A única verdade absoluta que se encontra nesses acontecimentos em São Paulo é que as árvores não têm qualquer culpa. Provavelmente, vão aparecer uns imbecis recomendando o corte de todas as árvores da cidade, mas alguns imbecis a mais, além dos que já existem por aí, não farão grande diferença.