Mercado livre vive seus dilemas em momento histórico
A enorme quantidade de acessos registrados para a matéria “Lula faz críticas e diz que pretende mudar ML”, disponibilizada por este site no dia 22 de dezembro, sexta-feira, prova que o assunto interessa a muita gente. É quase Natal e ainda existem muitos leitores ligados no assunto.
No texto, o “Paranoá Energia” fez uma crítica ao Partido dos Trabalhadores, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo travamento do mercado livre ao longo de mais de 20 anos.
Mas é necessário fazer uma correção: o PT não é o único responsável por isso e tampouco pelas nuvens negras que hoje se agitam sobre a energia livre.
Compreende-se que lideranças do PT sejam anti-mercado. É uma questão ideológica e tem gente no Partido que ainda acredita que o Stálin era gente boa. Isso é um absurdo, mas eles têm o direito de pensar assim, da mesma forma que não têm a obrigação de apoiar os mercados em geral ou o mercado livre de energia elétrica em particular.
Há uma forte questão política embutida nesse debate, que é preciso compreender e ter paciência. No lado oposto do espectro político, como vimos recentemente no Brasil, tem muita gente que acredita que a Terra é plana, que a China quer se transformar num império planetário ou que vacinas transformam pessoas em jacarés. Onde tem pessoas, tem maluquices de tudo quanto é tipo, à direita ou à esquerda.
Também tem de tudo no outro lado. Por tudo isso é importante tentar buscar um ponto de equilíbrio, pois como disse Aristóteles, depois copidescado por São Tomás de Aquino há cerca de 750 anos, “virtus in medium est”.
Já que se mencionou Aristóteles, vale lembrar que uma definição dele para o “homem político” se encaixa como luva no presidente Lula.
Como poucos, Lula encarna o “zoon politikon”, no sentido mais radicalmente aristotélico da expressão. Lula é um animal político e tem enorme percepção do fenômeno político, algo que lhe é extremamente intuitivo. E, e na crítica ao mercado livre de energia, ele demonstra isso muito bem.
O presidente não conhece naturalmente como funcionam em detalhes as engrenagens do mercado elétrico. Mas alguém disse para ele e ele percebeu rapidamente que de fato existe enorme distância entre os preços da energia nos mercados cativo e livre e que consumidores do mercado cativo subsidiam os do mercado livre.
A sua declaração sobre o ML, nesta sexta-feira, foi uma espécie de terremoto entre os defensores do mercado livre, mas é uma situação que precisa ser enfrentada. É possível que venha algum tipo de chumbo grosso em relação ao ML, em 2024, mas por enquanto é impossível imaginar o que virá por aí.
O que é possível perceber é que o Governo não é monolítico, ou seja, existem várias abordagens nessa questão do mercado livre. O presidente tem a sua visão imediatista que transforma declarações em votos; o ministro de Minas e Energia ainda não foi claro a respeito, mas ele provavelmente examina uma eventual candidatura à prefeitura de Belo Horizonte, em 2024. Se isso se confirmar, ele teria mais meio-ano de gestão à frente do MME e qualquer que seja o seu período à frente da Pasta está totalmente fechado com o presidente. Silveira é politicamente hábil, principalmente quando precisa manter as aparências.
Na CCEE, que exercerá um papel relevante em qualquer mudança no ML, tudo indica que, embora seja missão da CCEE defender o mercado, está mais ou menos claro que a Câmara, agora, tem mais interesse em ser Governo, uma espécie de puxadinho oficial do MME, do que um mero órgão vinculado indireto, neutro, nem Governo e nem iniciativa privada, como tem sido até agora.
Os ministros Fernando Haddad e o Geraldo Alckmin também jogam esse jogo, pois ambos trabalham para entregar resultados concretos na economia e sabem que o mercado livre tem mais eficiência e, ao contrário dos que pretendem restringir as suas atividades, precisa, sim, ser estimulado. Haddad e Alckmin sabem das coisas e são pragmáticos.
Em seu discurso aos catadores de lixo, o presidente Lula reconheceu que os exportadores brasileiros precisam ter competitividade para ganhar mercados lá fora. Mas que isso não pode ocorrer às custas dos consumidores mais pobres.
Chega-se então ao aspecto concreto da fala do presidente Lula. Não falaram toda a verdade para ele. De fato, existem distorções entre os dois mercados (livre e cativo), mas isso pode ser resolvido com relativa facilidade, tornando todos os consumidores livres. Simplesmente acabando com as fronteiras entre o ACL e o ACR.
Poderia ser feito como aconteceu em Portugal. A partir de determinada data, todo mundo passa a ser obrigatoriamente livre. Mas exercer a condição de livre vai depender da vontade de cada um. Quem não quiser ser atendido por um operador do mercado livre, pode continuar sendo atendido normalmente pela distribuidora local.
Este editor serve de exemplo. Mora num pequeno apartamento de apenas 35 metros quadrados e tem uma conta mensal de luz de R$ 70/80,00. Vale a pena, neste caso, ser um consumidor livre? Não, não vale. Mesmo sendo um apoiador do ML, é melhor continuar sendo atendido pela distribuidora local de Brasília, que faz um trabalho razoável. Cada um toma a decisão que avalia como mais conveniente.
Não explicaram ao presidente que o ML é muito mais eficiente do que o cativo. É verdade que existem distorções, conforme apontadas pelo presidente Lula, mas a maior eficiência de um mercado sobre o outro exerce um papel importante na compreensão do problema. Essa é uma discussão que deverá ter prosseguimento em 2024.
Os responsáveis
Além do Partido dos Trabalhadores, existem outros responsáveis pelo travamento do mercado livre de energia elétrica ao longo de 20 anos.
Este site não é um tribunal da Santa Inquisição e tampouco um pelotão de fuzilamento. Então, não vai dar nomes aos bois, mas não precisa. O setor elétrico inteiro conhece as pessoas que estão ocultas neste texto.
Tem muita gente boa, pessoas simpáticas, sorridentes, tidas como inteligentes, educadas, que falam baixo, tecnicamente qualificadas, que hoje ocupam posições relevantes no mercado elétrico, como dirigentes de associações, ONG´s ou consultores.
Essas pessoas em momentos distintos da História, ocuparam cargos importantes na área de energia elétrica, seja no MME ou nos seus órgãos vinculados, como Aneel, CCEE, ONS ou EPE. Cargos em que se tomava decisões em nome de variados partidos.
E sabem o que diversos desses especialistas fizeram em favor do mercado livre? Absolutamente nada. Ficaram no nhem-nhem-nhem, adquiriram o gosto pelos tapetes vermelhos, por esse negócio meio bobo de se sentir autoridade, pelos coquetéis, almoços, jantares, pelos eventos patrocinados pelo setor elétrico. Ganharam muitas placas de homenagens. E de concreto nunca fizeram nada pelo ML. Ficaram ali, numa espécie de núcleo da enganação, tomando decisões cosméticas de pouco impacto efetivo.
É triste reconhecer isto, mas goste-se ou não do mercado livre, é preciso admitir que o Brasil poderia ter avançado um pouco mais em relação ao tema da liberdade de mercado, se não fossem esse enganadores. O Brasil ainda é muito atrasado em relação ao mercado elétrico e não é unicamente por causa do PT. Entre esses enganadores, tem de tudo nesse meio. Passa-se de um governo de direita para um de esquerda (ou vice-versa) na maior cara de pau. O especialista sai do Governo, vai para uma associação, volta para o Governo e está tudo certo. Ninguém contesta.
Só que o tal instinto de sobrevivência fala mais alto e a pessoa, por isso mesmo, não assume compromissos com nada e com ninguém. Engana um, engana outro e segue em frente, priorizando sempre aquele que paga o seu contracheque no dia.
Se o ML vive alguma agonia e reclama que poderia estar melhor na foto é por sua culpa também. Existem aqueles que são contra o ML e sempre foram coerentes. E existem aqueles que simplesmente enganam. Estão sempre por cima da carne seca, às vezes indicados pelo próprio mercado livre. Aí, meu irmão, não dá para reclamar. Como se diz, quem pariu Mateus que o embale.