Viajar ao exterior é com a Aneel
Em 1976, a ditadura militar não só prendia e arrebentava, como também censurava a imprensa ferozmente. Mesmo assim o jornal “O Estado de São Paulo” driblou a censura e publicou uma reportagem histórica: “Como vivem os nossos superfuncionários”.
O jornal mobilizou todas as suas sucursais no País e dezenas de jornalistas. O produto final, quase 50 anos depois, continua difícil de ser igualado pela mídia atual. Mostrava a gastança e as mordomias em que viviam os funcionários públicos de elite, que tocavam a ditadura de acordo com os interesses dos militares. Viagens constituíam um dos itens das mordomias. O ditador de plantão, general Geisel, engoliu a matéria a seco.
De lá para cá, mudou pouca coisa, embora hoje exista um pouco mais de transparência. Tanto que é possível ver na internet que dois diretores da Aneel, Fernando Mosna e Ricardo Tili, estão em Lisboa, participando de um evento que pomposamente se chama “XII Fórum de Lisboa. Avanços e Recuos da Globalização e as novas fronteiras. Transformações jurídicas, políticas, econômicas,. Socioambientais e digitais”. Este site não vai entrar no mérito do evento, pois não acredita nesse tipo de coisa e acha tudo isso dinheiro jogado fora.
Mesmo que tenha alguma importância, é difícil dizer o que isso tem a ver com a Agência Nacional de Energia Elétrica. Entretanto, ambos os diretores estão lá, devidamente amparados pelo dinheiro público. Provavelmente, alegam que estão trabalhando pesadamente. Mas, nas brechas da programação do evento, é possível que aproveitem bem a oportunidade para comer um bom bacalhau, tomar excelente vinho do Alentejo e curtir a gastronomia portuguesa, que é uma das melhores do mundo.
Se sobrar tempo para comer bem e ouvir um fado na Alfama, melhor ainda. Infeliz é quem não pode estar lá com as despesas pagas como os dois felizardos diretores da Aneel. Este editor já foi a Lisboa, mas pagando do próprio bolso.
Mosna e Tili aparentemente trabalham em dobradinha, quando o assunto é viagem ao exterior. Em março passado, quando os problemas da Enel em São Paulo estavam no auge, Mosna e Tili também estavam no exterior, representando muito bem a Aneel e o Brasil.
O diretor Fernando Mosna viajou até a Índia, entre 12 e 16 de março, para o “India Smart Utility Week 2024”. Seu colega de diretoria Ricardo Tili também fez uso do passaporte, mas foi a Barcelona, para o “Mobile World Congress 2024”, entre 25 de fevereiro de 1º de março.
O fato é que lamentavelmente é uma questão cultural. Da mesma forma que em 1976, quando Mosna e Tili provavelmente nem tinham nascido ainda, muitos servidores públicos de alto nível entendem de forma equivocada que devem ser servidos pelo Estado e não servir ao Estado. Então, fazer turismo em Lisboa com as despesas pagas pelos contribuintes do Brasil não faz diferença. Pessoas desse tipo apenas entendem que é uma espécie de obrigação do órgão que eles representam, no caso a Aneel.
Isso é muito lamentável e ao mesmo tempo triste. É lógico que a burocracia brasileira não precisa ficar enclausurada e se esconder do resto do mundo, pois aqui não é a Coréia do Norte. Mas ir a Lisboa para um evento sobre assuntos jurídicos, Tili e Mosna desculpem, mas é muita cara de pau.
É verdade que a programação mostra Fernando Mosna atuando como moderador numa mesa sobre transição energética. Mas precisa realmente ir a Lisboa para isso? Tili nem aparece na programação, mas é possível que tenha ido representar o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, que tinha presença aguardada num workshop sobre desenvolvimento sustentável, mas não viajou. A propósito, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também participa do evento em Lisboa.
Podem dizer o que quiser, mas tanto a Aneel quanto os seus diretores ou o próprio ministro não conseguirão convencer este editor quanto a agenda desse tipo. Caso as despesas tenham sido cobertas pelos organizadores, tudo bem. Este site desde já pede desculpa pela avaliação precipitada e equivocada. No entanto, caso esteja tudo sendo coberto pelo dinheiro público, isso não passa de turismo disfarçado e a diretoria da Aneel e o MME deveriam estar mais atentos a procedimentos desse tipo. O lombo do consumidor (ou do contribuinte) está doendo há muito tempo por esse tipo de situação.