A transição energética, o país do futuro e o samba-exaltação
Na literatura e na música existem várias definições sobre o Brasil. Por exemplo: que é o país do futebol; que é o país do samba, do carnaval e da cerveja; que é o país da alegria que contagia o mundo inteiro.
Mas não é só isso. Também tem o lado ruim da coisa boa. O Brasil é visto às vezes como um país de muitos ladrões; de muitos corruptos; o país dos caloteiros; o país da ineficiência.
Tem também o Brasil de tristes contrastes. É o país das pessoas simples felizes, muito trabalhadoras, mas que ganham pouco; é o país dos desdentados; é o país das desigualdades raciais e sociais; é o país onde as cadeias estão lotadas de pretos e mulatos.
E por aí vão os exemplos. Tem Brasil de tudo quanto é tipo. Só depende de quem avalia.
E como se situa o setor elétrico nesse Brasil multifacetado, heterogêneo, complexo? Na visão deste editor, no momento não passa de um país do faz-de-conta. Todo mundo fazendo de conta, em consequência de uma política setorial medíocre, preguiçosa e de uma nota só. De um ministro que só quer aparecer e de um presidente que não está nem aí para esse estado de coisas.
O governo federal hoje, na área de energia, tem apenas um discurso, que é o da transição energética, que é o que gera marketing e cai bem aos olhos dos parceiros internacionais, nem sempre tão ingênuos assim, como às vezes se pensa em Brasília.
Tudo gira em torno da transição energética. É uma coisa interessante, mas enquanto isso todos os problemas são varridos para baixo do tapete por conta da transição energética. É uma enganação só.
Quando se olha para o setor elétrico ou se conversa com executivos da área, tirando aqueles envolvidos na tal transição energética, obviamente, tá todo mundo insatisfeito. Não tem ninguém falando bem do sorridente ministro da transição energética.
Sua Excelência prometeu, há meses, um novo modelo para o setor elétrico, que, segundo ele, resolveria todos os problemas e realinharia o SEB sob outras premissas, colocando as coisas nos devidos lugares. Alguém aí tem notícia sobre o novo modelo? É tão misterioso, que ninguém sabe, ninguém viu. E o quinto diretor da Aneel? Aí, já é pedir demais.
Os fatos vão acontecendo como se fossem parte de uma enorme brincadeira. Só que é uma brincadeira que custa caro aos agentes e principalmente aos consumidores. No mundo do faz-de-conta do setor elétrico brasileiro, nem é bom perguntar aos consumidores de energia elétrica de São Paulo se eles estão satisfeitos com o serviço prestado pela concessionária Enel. A resposta virá na forma de palavrões que este editor não pode escrever aqui.
Ali não tem nada de faz-de-conta. Ali é realidade pura, dura e sofrida. O mundo do faz-de-conta da Enel SP está em Brasília, onde a Aneel e o MME ficam jogando a responsabilidade um para cima do outro e ninguém toma a decisão que é preciso tomar. Eles acreditam que enganam os consumidores brasileiros. Não enganam.
E o horário de verão? Esses caras que hoje estão no Poder caíram de pau no governo anterior porque ele acabou com o horário de verão. Tinha que criticar porque o horário era fundamental para melhorar a rampa de operação, evitar desligamentos, economizar energia, etc. Hoje, simplesmente jogaram para o lado. Esqueceram o horário de verão. Aquilo que foi falado foi apenas política. É sempre assim.
E a bandeira tarifária? Com a chegada das chuvas e o aumento da afluência nas hidrelétricas, é natural que hoje a bandeira seja amarela e o PLD seja o mínimo, de apenas R$ 61,07. É coerente.
Só que daqui a pouco, com os reservatórios lotados de água, provavelmente teremos bandeira verde e o PLD Máximo, porque o modelo tem essas esquisitices e ninguém está interessado em mexer nele. Prá que mexer, se tem gente que provavelmente vai ganhar dinheiro com essas inconsistências técnicas? O melhor é deixar assim mesmo, pois daqui a pouco é Carnaval e o negócio é sambar e balançar as bandeiras.
É assim que funciona o SEB hoje. Os agentes que colocaram muito dinheiro em usinas solares ou eólicas no Nordeste estão insatisfeitos porque há restrições por parte da Operação. Suas usinas não são programadas para gerar, deixam de ganhar dinheiro e certamente não estão felizes com o prejuízo crescendo nos seus balanços. Como explicar isso lá fora, aos donos do dinheiro? Difícil.
A Itaipu Binacional se transformou de vez num banco de desenvolvimento disfarçado, com muito dinheiro, e se o leitor acredita que algo deveria ser feito para mudar o status atual da usina, esqueça. O Governo não está interessado nisso, pois ele é o principal beneficiário dessa situação sem pé e sem cabeça, mas de onde a grana jorra com relativa facilidade.
Não é sem motivo que a direção-geral brasileira da binacional é um dos cargos mais disputados no vale tudo da política. Vale mais do que um ministério em Brasília.
Essa história sobre o uso político de Itaipu é tão evidente, que um general que foi seu presidente durante apenas dois anos, de 2019 a 2021, de repente virou prefeito eleito de Foz do Iguaçu, sem nunca ter sido político. Por ironia, se elegeu prefeito por um partido que hoje faz oposição ao governo federal.
Viva a transição energética, que esconde tudo isso. Graças ao marketing (também tem muito dinheiro da Itaipu Binacional nisso aí, viu?). somos os campeões da transição energética e exemplo para o mundo inteiro.
É possível que algumas das nossas autoridades do setor elétrico nunca tenham tido a oportunidade de ler o livro “Brasil, País do Futuro”, de um autor austríaco chamado Stefan Zweig, que morreu em Petrópolis, em 1942. Esse discurso oficial sobre a transição energética lembra Zweig.
Também lembra o país do carnaval, do samba, do futebol, das praias, da alegria contagiante do seu povo. Mais ou menos na mesma época da morte de Stefan Zweig, Ari Barroso lançou o seu mais famoso samba-exaltação, Aquarela do Brasil, cuja letra também lembra a transição energética do presidente Lula e do ministro Silveira:
“O Brasil, verde que dá
Para o mundo se admirar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil (Brasil)
Pra mim (pra mim)
Ó, esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil (Brasil)
Oi, estas fontes murmurantes
Oi, onde eu mato a minha sede
E onde a Lua vem brincar
Oi, esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro”.