Cuidado com os governos
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse, nesta quinta-feira (23/01), que a regulação das políticas públicas do setor energético é o instrumento que garante segurança para atrair investimentos. Silveira discursou ao lado de líderes mundiais do tema durante a Sessão América Latina Liderança em Energia em Davos, na Suíça.
Essa informação consta de material informativo liberado pela própria Assessoria de Imprensa de Silveira, em Brasília.
Tem alguém que não está homenageando a verdade nesta história, pois, ao mesmo tempo em que o ministro garantia, na Suíça, que a regulação do sistema elétrico era uma beleza e que os investidores podiam confiar nela, várias empresas que atuam nos segmentos de energia eólica e solar estavam contabilizando prejuízos monumentais com as restrições operativas feitas pelo ONS e articuladas com o próprio MME, a Aneel e a EPE.
É nisso que dá nomear para cargos técnicos complexos pessoas sem o devido conhecimento. O MME e suas áreas vinculadas estão cheios desses caras absolutamente incompetentes, pois as escolhas políticas foram as piores possíveis.
O ministro, em Davos, falou coisas absolutamente sem sentido. Podem ser boas, talvez, como marketing político, mas não correspondem de maneira alguma à realidade vivida por amplos setores da energia elétrica no Brasil.
“Para que a América Latina possa converter suas potencialidades energéticas em oportunidades econômicas efetivas, o caminho certamente passa pela regulação das políticas públicas”, disse o ministro. Fantasia pura.
Sua assessoria ainda teve a cara de pau de informar que “Alexandre Silveira foi o ministro escolhido pelo presidente Lula para representar o Brasil na Suíça com a missão de trocar experiências e demonstrar as potencialidades do país para investidores globais do setor de energia”.
Várias empresas que estão amargando prejuízos com as restrições operativas são investidores internacionais de renome. Um deles é a Voltalia, da França, que opera globalmente em projetos de energia renovável. A Voltalia investiu pesado em renováveis no Brasil e se deu muito mal. Como é obrigada a gerar menos, fatura menos. E como não é uma empresinha de fundo de quintal, a Voltalia precisa deixar bem claro para os seus acionistas que foi o governo brasileiro que tungou as receitas da empresa.
O que está dramaticamente em jogo é algo que no jargão do mercado elétrico é conhecido como “curtailment”. Os procedimentos de “curtailment” consistem em limitar a transmissão, por um determinado período, de todo ou parte do potencial de produção de eletricidade de uma usina, a fim de manter a estabilidade da rede de transmissão. Essa é a visão oficial da coisa, que começou a ser maciçamente aplicada depois de um apagão. A energia renovável foi escolhida como causa do apagão.
Ora, a causa daquele apagão, na visão deste editor, foi outra. Por exemplo: a inteligência de alguns responsáveis pelo SEB, por exemplo. É, sim, possível fazer uma outra leitura do “curtailment”. É a prova mais clara possível que o planejamento do setor elétrico no Brasil não vale nada. Que as garantias oferecidas pelas autoridades (do MME, da Aneel, da EPE ou da Aneel) também não valem nada. É tudo uma espécie de farsa.
Então, o Brasil vem com uma conversinha mole, dizendo para as empresas que elas podem investir rios de dinheiro em energia eólica e energia solar, as empresas investem, contribuem enormemente para resolver o problema de geração elétrica no País, e na hora do vamos ver o Governo tira o corpo fora e simplesmente diz que parte substancial daquela geração não será remunerada? Isso é seguramente um tipo de estelionato. Quem simplesmente acredita nas palavras cheias de amor para dar faladas pelas nossas autoridades do setor elétrico está lascado.
Este site nem entra no mérito se a energia solar ou a energia eólica são boas e prioritárias para o País. Também não está discutindo aqui que um tribunal superior cassou a liminar que dava razão de causa às associações Abeeólica e Absolar. O que este site discute é a cara de pau da área institucional da energia elétrica no Brasil, que promete uma coisa e entrega outra.
Curiosamente, no mesmo momento em que o MME, Aneel, EPE e ONS metem a mão peluda nos bolsos dos administradores das geradoras eólicas e solar, a área de imprensa do ONS distribui um comunicado em que destaca:
“O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) identificou, no último dia 21 de janeiro, três novos recordes em geração fotovoltaica. Dois no Sistema Interligado Nacional (SIN) e um no subsistema Sudeste/Centro-Oeste. De acordo com o diretor-geral do ONS, Marcio Rea, no SIN, a marca inédita registrada foi de 12.576 MWmed produção da fonte solar diária, superando em 5,3% os 11.899 MWmed, último recorde identificado em 07/10/2024. Além disso, a geração fotovoltaica instantânea atingiu 36.364 MW às 11h53, o que representa energia suficiente para atender 37,4% da demanda do SIN naquele momento. O recorde anterior foi de 36.283 MW apontado no mesmo dia da geração máxima fotovoltaica”.
É muita cara dura desse Sr. Marcio Rea. Ora, se a energia renovável é importante para oferecer 12.576 MWmed ao Brasil, os empreendedores que investiram maciçamente nesse segmento deveriam ser convenientemente remunerados, não é ministro Alexandre Silveira? Não é assim que o jogo é jogado? Não é Sr. Marcio Rea? Não é Dr. Sandoval Feitosa? Não é Sr. Thiago Prado?. Esses segmentos não podem é ser vítimas de um calote organizado pelo MME e áreas institucionais vinculadas. O MME jogou todo o seu peso institucional para massacrar os interesses dos investidores nas instâncias jurídicas.
Essa situação desagradável ocorre apenas porque não existe planejamento no setor elétrico do Brasil. Ou melhor, existe, mas é de péssima qualidade. Se fosse bom, essas incoerências governamentais jamais ocorreriam. Os investidores que estão sendo prejudicados agora desenvolveram projetos, escolheram áreas geográficas, buscaram recursos financeiros no sistema bancário, contrataram consultorias, empregaram especialistas da melhor qualidade, desenvolveram projetos de interesse social, tudo isso com amplo conhecimento do MME e suas áreas institucionais. Ninguém nunca fez nada fora do conhecimento ou à revelia do Governo. Aí vem essas belezinhas de tecnocratas autoritários e incompetentes e simplesmente dão o cano? Há casos em que algumas geradoras estão perdendo cerca de 30% da grana que deveriam receber com essa brincadeira. Ou seja, geraram de graça.
É possível imaginar os executivos da Voltalia, no Brasil, tentando explicar para seus colegas, na Europa, como funcionam as coisas entre nós. Não há seriedade, infelizmente. E o ministro Alexandre Silveira, antes de ficar dizendo abobrinhas, em Davos, deveria estudar melhor os problemas da sua Pasta e tentar encontrar um discurso mais aderente à realidade.